Na passada quinta-feira, dia 29 de maio, pelas 21h00 decorreu mais
uma sessão do Clube de Leitura, para análise e discussão da obra "Não há
pássaros aqui" do jovem escritor brasileiro, Victor Vidal e Prémio Leya
2023.
Esta obra teve como fonte de inspiração uma visita à casa de Anne Frank e da sua família durante a Segunda Guerra Mundial, em Amsterdão,
levando o autor a refletir sobre os traumas de infância e a necessidade de
esconderijos físicos e emocionais.
Trata-se de uma história de violência, com uma análise psicológica
precisa, onde não faltam relações familiares complexas, alcoolismo associado
que levam à solidão e deixam cicatrizes visíveis.
Há também algum suspense criado à volta do trauma de Ana, pelo que
se passou certa noite: “Eu sou uma criança maligna”.
Exagero? A realidade não é assim?
É realidade pura.
A personagem principal Ana, em crescimento, é filha de um silêncio,
mas um silêncio que grita. Cresceu sem conhecer o pai, entre garrafas vazias,
maus tratos e abandono. Aprendeu a andar sem fazer barulho, tendo também sido
vítima de abuso sexual.
A sua vida são escombros, um deserto de amor. Acaba por matar o
homem para defender a mãe. Na sua casa de infância não há pássaros, não há felicidade,
nem esperança, nem forma de fugir à desgraça.
Ana enquanto adulta acaba por conseguir afastar-se fisicamente da
mãe a quem até trata pelo seu nome próprio.
Assim, apresenta alguns comportamentos degradantes de caráter patológico,
de autodestruição (automutilação), inclusive, encontros ocasionais de
índole sexual com desconhecidos, destruição de uma obra de arte de valor
estimativo para o seu melhor amigo, etc.
Predominam sentimentos de raiva, medo, e simultaneamente de brutalidade para com as pessoas e um crescente desejo de suicídio no final, apesar de esta ação
ficar um pouco em aberto para os leitores. Mas, não poderia ser diferente, porque
a sua vida continuou e sem pássaros era terrível.
Em resumo, todas as personagens além de Ana, a mãe – Andrea,
Tomás, Benjamim, revelam os seus traumas de infância e o quanto isso lhes
causou desequilíbrios que permanecem ainda durante a vida adulta.
O autor, nesta obra propõe uma “reflexão madura sobre o modo como
aquilo que vivemos na infância determina a nossa vida adulta, e como tendemos a
reproduzir comportamentos a que assistimos, mesmo quando friamente os
condenamos”.
As metáforas implícitas na obra, como por exemplo, a do fogo,
simboliza o rompimento com o passado aterrador e a metáfora dos pássaros
representa uma esperança de dias bons.
Segundo a farmácia literária da Bertrand, esta obra está indicada
para encarar o lado mais sombrio do comportamento humano; purgar traumas de
infância relativos a famílias disfuncionais, tóxicas, negligentes, violentas e
abusivas; sentir-se amparado, no reviver de memórias dolorosas e subsequentes,
quadros de ressentimento e amargura, vergonha e solidão; treino de empatia e de
compaixão.
Efeitos secundários:
Possíveis sentimentos de desconforto, angústia, aversão, tristeza
e desesperança; maior sensibilidade à vulnerabilidade dos outros; refrear a tentação de
julgar/condenar liminarmente os outros,
necessidade de focar-se na beleza das pequenas coisas, na redenção pela
amizade e pelo amor, busca de alegria e leveza.
Posologia: ler ao ritmo.
Ana Paula Oliveira