terça-feira, 5 de outubro de 2021

CLUBE DE LEITURA - OUTUBRO

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. 

As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.




O Clube de Leitura reunirá a 28 de outubro, pelas 21h00, para a abordagem da obra "Cartografias de lugares mal situados", de Ana Margarida de Carvalho.

Sinopse: Os cenários de guerra são, por definição, lugares mal situados. Neles, as emoções são intensificadas, a generosidade, a compaixão, mas sobretudo a raiva, o medo, a crueldade e a bruteza.

Nestes contos, Ana Margarida de Carvalho percorre alguns desses lugares, desde uma povoação de Portugal durante a Terceira Invasão Francesa, passando por uma biblioteca não nomeada, centro de operações da resistência, onde os livros servem para tudo menos para ler, até um lugar incerto onde há mulheres cercadas por snipers, as vozes são proibidas e o silêncio parece interminável.

 

Quem é Ana Margarida Carvalho?

Jornalista e escritora, licenciou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa, onde nasceu. Assinou várias reportagens premiadas, crónicas, ensaios e crítica cinematográfica e literária. É autora de guiões de cinema e de uma peça de teatro. O seu romance de estreia, “Que Importa a Fúria do Mar”, venceu, por unanimidade, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE) referente a 2013. “Não Se Pode Morar nos Olhos de Um Gato” recebeu igualmente o Grande Prémio de Romance e Novela da APE (2016). Foi considerado livro do ano pela SPA e venceu o Prémio Literário Manuel de Boaventura (2017). Tem um livro infantil, “A Arca do É”, em parceria com o ilustrador Sérgio Marques.

“Pequenos Delírios Domésticos”, o seu primeiro livro de contos, venceu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco 2017.

O romance “O gesto que fazemos para proteger a cabeça”, publicado pela Relógio D’Água em 2019, foi finalista do Prémio Oceanos 2020 e do Prémio de Literatura da União Europeia 2021.


Excertos:


Conto 4 - Montículos de Montgomery

"...haviam de ir os dois desafiar as nuvens negras, escalar as pedras do Barrocal, se chovesse ainda melhor. Não existia local mais mágico para a miudagem do que aquele santuário de granito. Parecia-lhe que Deus andara a jogar pedras, só para ver o que acontecia, mas depois desinteressou-se do resultado". 

Em 7 de novembro de 2020 foi inaugurado em Castelo Branco o Parque do Barrocal, de 40 hectares, com passadiços, miradouros e pontes. Um bonito lugar para uma caminhada!








Conto 5 - O Prometido é de Vidro

"Todos os anos pelo Natal, lançaria ao poço uma conta de cristal do seu rosário. E ao povo castanhas do cimo da torre da igreja".

"O Magusto da Velha" é uma tradição que ainda hoje se mantém em Aldeia Viçosa, uma aldeia a 25 km da Guarda. Esta tradição remonta ao século XVII e teve origem numa herança deixada por uma senhora abastada de que se ignora o nome, sendo designada por "A Velha".  Com o dinheiro deixado,  ordenou que todos os anos a seguir ao dia de Natal fossem lançadas castanhas da Torre da Igreja e distribuído algum vinho pelo povo. A senhora só pediu como pagamento que lhe rezassem um Pai-Nosso por alma. Assim, ainda hoje, no dia 26 de dezembro, por volta das 15h, são lançadas castanhas da Torre da Igreja (cerca de 150 kg). 

No momento em que as castanhas são atiradas para o meio da multidão, alguns rapazes protagonizam as denominadas "cavaladas", saltando para cima das costas daqueles que se se baixam para as apanhar.  









Conto 9, E se também o Inferno for uma espécie de biblioteca

"...e para ganhar alento foi passear para a beira-rio antes de atravessar a Ponte de Trajano. A aragem do rio Tâmega, a noite límpida aclaravam-lhe os pensamentos, queria acreditar. Reparou nos calhaus que ligavam as duas margens, pontos de travessia pedestre desde tempos remotos, onde às vezes ficavam entalados peixes gordos e os adolescentes gostavam de atravessar de olhos fechados. Há quanto tempo estariam ali as pedras encravadas a resistir a tudo, à passagem do tempo e das correntes. Teve um pensamento mágico. E se atravessasse até o ao outro lado, através das pedras escorregadias?"

Os "calhaus" referidos no texto são uma passagem pedonal  de origem romana, sobre o rio Tâmega, a que os flavienses chamam "POLDRAS". Há 90 no total.






  

Conto 9 

"...às vezes ainda lhe dava estas cãibras no coração, uma espécie de fecho-éclair emperrado, que não fechava, não fechava nunca, e lá regressaram eles, os homens de Giacometti, esfumados, numa verticalidade improvável, muito ao longe, pernas tão precárias que mal sustentavam o próprio corpo, os filhos e os andrajos, os homens lá ao longe de pernas errantes... "

"...eram aqueles homens, sabe, senhor doutor, muito verticais, com pernas longas e distorcidas pelas vibrações do calor, que chegavam ao acampamento, não paravam de chegar, noite e dia, e as nossas rações a escassear, as estradas bloqueadas, sem medicamentos, eles a morrerem-nos nos braços, por doença e inanição, uns mortos, outros quase..."


Alberto Giacometti (1901-1966) foi um pintor e escultor expressionista de nacionalidade suiça.

Nos trabalhos realizados depois da Segunda Guerra, onde a figura humana protagoniza as suas pesquisas plásticas, Giacometti  acompanha a tendência neo-figurativa que, nestes anos, marca o percurso criativo de vários artistas plásticos. Esta representação do corpo humano marca o período mais original de Giacometti. Depois da guerra (1947), adota um estilo que o tornou famoso, de figuras magras, alongadas e afiladas, esculpindo a maioria das obras dessa fase em miniaturas. 

Destacam-se, entre as inúmeras obras executadas durante o final da década de 40 e da década seguinte, as esculturas L'Homme Qui Marche (1949) e La Femme au Chariot (1950).


 "À primeira vista, parece que estamos perante mártires sem carne saídos do campo de concentração de Buchenwald. Mas pouco depois temos uma perceção bem diferente: aquelas naturezas finas e delgadas elevam-se para o céu", escreveu o amigo Jean-Paul Sartre, em 1948, no catálogo de uma exposição de Giacometti em Nova Iorque.






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sexta-feira, 1 de outubro de 2021

CLUBE DE LEITURA - SETEMBRO

A sessão do Clube de Leitura de ontem decorreu animada com a análise e discussão da obra “Bonjour tristesse” de Françoise Sagan (1935-2004).

Este seu primeiro romance gerou um escândalo mundial, transformando-se rapidamente num best-seller, vendendo milhões de exemplares. O lançamento da edição americana em 1955 ampliou internacionalmente o sucesso do romance, que adquiriu um renome ainda maior ao ser adaptado para o cinema em 1957 pelo realizador Otto Preminger, com atores Deborah Kerr, David Niven e Jean Seberg nos principais papéis.

A sua prosa contida, seca e austera faz lembrar a dos maiores nomes da literatura francesa. No entanto, dentro dos limites da forma clássica, Françoise Sagan expressa um amoralismo e um tédio precoce em relação a um mundo com que muitos dos seus leitores se identificaram. Fortemente influenciada pelas primeiras obras de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, Sagan criou personagens cujas vidas são marcadas pela solidão, por um sentido agudo da passagem do tempo e especialmente pelo tédio. A sua ocupação principal é a busca do prazer, mas são continuamente dececionadas pelo carácter efémero de todos os prazeres, de todas as relações humanas. Evitando qualquer tipo de grandiloquência, Françoise Sagan apresenta em Bonjour Tristesse uma visão da realidade que é fundamentalmente crua e descomprometida.

Em 1953, aos 18 anos de idade, a jovem que viria a ser conhecida como Françoise Sagan foi reprovada em exames prestados na Sorbonne, em Paris. Durante as férias de Verão daquele ano, refazendo-se da frustração, passou várias semanas a escrever o seu primeiro romance, Bonjour Tristesse, publicado em 1954.

O livro fez um sucesso extraordinário, e a autora, cercada de enorme publicidade, transformou-se em uma espécie de porta-voz de uma geração entediada e desiludida de jovens franceses do pós-guerra. O livro, de facto, embora tenha a sua trama situada na Riviera francesa, ecoa o estado de espírito das caves parisienses, onde se praticava o «comportamento existencialista».

A obra destacou-se pela análise psicológica das relações amorosas, da solidão e da forma de reverte-la. Está implícita a defesa de uma total liberdade individual,  inclusivamente da feminina, do hedonismo, o charme dos carros velozes, a vida social intensa e boémia e a influência de correntes filosóficas da época. Tudo isto num contexto de pós-guerra causou escândalo, assim como a agitada vida da autora contribuíram para que o seu primeiro romance fosse considerado um mau exemplo para a juventude e fosse apelidada de "charmant petit monstre".

De leitura rápida, agradável, linguagem acessível, musical e direta, sem grandes sofisticações, num estilo claro, contém todos os elementos para a construção de um drama. A narrativa é hábil, rica, fantástica, bastante visual, pontuada por opiniões, sentimentos e aforismos, que é surpreendente, porque a autora é demasiado jovem para tanto conhecimento sobre a alma humana.

A sua paixão pela velocidade desmedida e pelo álcool, os sucessivos tratamentos de desintoxicação a que foi submetida e a sua dependência pelo jogo levaram-na praticamente à ruína. A partir de 1990, o seu nome foi, por várias vezes, envolvido em escândalos relacionados com uso e posse de droga e, em 2002, apareceu implicado numa fraude fiscal ligada à companhia petrolífera ELF Aquitaine.

O título Bonjour tristesse foi inspirado num poema de Paul Eluard

 

Adieu tristesse

Bonjour tristesse

Tu es inscrite dans les lignes du plafond

Tu es inscrite dans les yeux que j’aime

Tu n’es pas tout à fait la misère

Car les lèvres le plus pauvres te dénoncent

Par un sourire

Bonjour tristesse

Amour des corps aimables

Puissance de l’amour

Dont l’amabilité surgit

Comme un monstre sans corps

Tête désappointée

Tristesse beau visage

 

Paul Eluard, La vie immédiate,