segunda-feira, 29 de julho de 2024

CLUBE DE LEITURA - SETEMBRO 2024

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. 

As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.

O Clube de Leitura reunirá a 26 de setembro, pelas 21h00.

O livro selecionado será "Cravos e Ferraduras" de J. Rentes de Carvalho.


Sinopse: 
Um retrato dos últimos anos da vida portuguesa através de personagens escolhidas a dedo. Nenhuma delas é conhecida. Nenhuma delas merece a nossa piedade.


Entre o conto e a crónica, trocando os nomes e avariando as grandes teorias sobre o funcionamento da pátria, estes textos de J. Rentes de Carvalho retratam o país com humor, cumplicidade, atrevimento, ou uma compreensão que não pede distância, mas proximidade. Os comportamentos destas personagens não são, na maior parte das vezes, dignos de elogio ou de serem escolhidos como exemplo, não receberão medalhas no Dia de Portugal. Mas são, arrancados à vida desconhecida da província, das vilas e aldeias da pequena pátria, um dos melhores retratos de todos nós, frívolos ou sentimentais, mentirosos ou com um fingido amor pela verdade.

Este livro, que recolhe textos de diário, pequenos contos ou crónicas ficcionadas, é uma espécie de resumo dos últimos anos da vida portuguesa, um retrato do país através de pequenos apontamentos sobre personagens e vidas comuns, populares, rurais, desconhecidas - e sobre um escritor que observa o seu país, rindo ou ficando macambúzio. Ou fingindo-se.

Quem é J. Rentes de Carvalho?

De ascendência transmontana, J. Rentes de Carvalho nasceu em 1930, em Vila Nova de Gaia, onde viveu até 1945. Obrigado a abandonar o país por motivos políticos, viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, Nova Iorque e Paris, trabalhando para jornais como O Estado de São PauloO Globo e o Expresso. Em 1956 passou a viver em Amesterdão, onde se licenciou (com uma tese sobre Raul Brandão) e foi docente de Literatura Portuguesa entre 1964 e 1988. Dedica-se desde então exclusivamente à escrita e a uma vasta colaboração em jornais portugueses, brasileiros, belgas e holandeses, além de várias revistas literárias. Escreveu romances, contos, diário, crónica, e guias de viagem ou ensaios. Vive entre Amesterdão e Estevais (Mogadouro), metade do ano em cada sítio.

Críticas:


«É verdade que importa haver, no grupo extenso e variado de romancistas lusos, quem assuma o papel de retratista das figuraças dos palanques deste tempo.»
Sábado

«Vital, violento, implacável, lúcido e aquiliniano, virtuoso no vocabulário popular e numa escrita que alavanca a tradição oral.»
Visão


CLUBE DE LEITURA - JULHO 2024

Na passada quinta-feira, dia 25 de julho, pelas 21h00, decorreu a sessão, do mês de julho do Clube de Leitura, para a análise e discussão da obra "E três maçãs caíram do céu" de Nariné Abgarian.

Editada pela Presença e com tradução direta do russo por Nina Guerra e Filipe Guerra, “E três maçãs caíram do céu foi publicado originalmente em 2015 e venceu o prémio mais importante da Rússia, o Prémio Literário Yasnaya Poliana, instituído pelo Museu Leo Tolstoi.

Também foi galardoada pela sua obra infantil, que já teve adaptações cinematográficas, a autora viveu durante alguns anos em Moscovo, tendo regressado ao seu país natal em 2022, dividindo agora o tempo entre a Arménia e a Alemanha.

É o primeiro livro da romancista arménia Nariné Abgarian a ser publicado em Portugal, romance premiado e aclamado pela crítica, ambientado numa pequena aldeia das montanhas arménias.

Esta obra, que a escritora russa Ludmila Ulitskaya descreveu como “um bálsamo para a alma”, centra-se numa mulher que se convence de que vai morrer e deita-se na cama à espera”, uma história que mescla realidade e fábula, esbatendo os limites entre racional e onírico.

A história passa-se em Maran, uma pequena aldeia montanhosa arménia, onde os aldeões apanham amoras e fazem baclava (pastel doce folhado com pasta de nozes), e onde os sonhos, as pragas e os milagres são produtos da realidade, intocados pelo tempo.

Uma antiga linha telegráfica e um perigoso caminho de montanha que até as cabras têm dificuldade em seguir são a sua única ligação ao mundo exterior.

Neste lugar perdido vive Anatólia, tranquila, deitada na sua cama, à espera da morte, convicta de que só isso pode acontecer.

Antes de se deitar e vestir a roupa fúnebre preparada para o efeito, incluindo umas meias grossas de malha, porque “toda a vida teve frio nos pés”, Anatólia dedica-se a alguns preparativos finais, que incluem regar a horta e alimentar bem as galinhas, pois não sabe quanto tempo os vizinhos demorarão a dar com o seu corpo inanimado.

Depois de se deitar e folhear o álbum da família, perde-se em divagações da memória, que a transportam até à infância, dando a conhecer ao leitor a sua vida longa, em que não concretizou o sonho de ser mãe, viveu um casamento que em vez de amor lhe trouxe sofrimento, e passou anos a cuidar da biblioteca da aldeia, o centro da sua pouca felicidade.

Deitada na cama, convencida de que vai morrer, é surpreendida por um vizinho que entra de surpresa em sua casa, com uma proposta inesperada, que vai transformar a aldeia de Maran.

Quando foi publicado e, sobretudo, quando começou a ser traduzido, o romance começou a destacar-se entre a crítica literária, pela forma cativante como retrata a vida numa aldeia remota da região montanhosa da Arménia, oferecendo um olhar único sobre a cultura e a ruralidade daquela região.

Nariné Abgarian, que escreve em russo, foi elogiada pela prosa simultaneamente autêntica e poética e pela riqueza de caracterização dos ambientes e personagens, explorando as complexidades da vida humana.

Segundo o jornal The Herald, este é um romance “maravilhoso e encantador” que “celebra a palavra ‘comunidade’”, ao passo que a Publishers Weekly destaca as descrições do quotidiano “belissimamente buriladas”.

O jornal The Guardian, que em 2020 nomeou Nariné Abgaryan “uma das mais brilhantes autoras da Europa”, elogiou o romance pelas personagens complexas, a atmosfera envolvente, a visão cativante da vida numa aldeia remota da Arménia, a prosa poética e a autenticidade da narrativa.

Em entrevista a este jornal britânico, Nariné Abgaryan conta que o seu livro favorito, “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, passado na aldeia fictícia isolada de Macondo, a deixou assombrada no final, quando todos os vestígios da existência de Macondo são apagados.

Em “E Três maçãs caíram do céu”, decidiu fazer o oposto: “Queria escrever uma história que terminasse com uma nota de esperança. A humanidade está a precisar urgentemente de esperança, de histórias simpáticas”. Por isso, nesta aldeia, apesar de isolada, onde decorrem tantos acontecimentos trágicos, sobressai um espírito comunitário e de entreajuda, os habitantes preocupam-se com o bem estar uns dos outros, que nos comove e sensibiliza para a importância do apoio que todos nós precisamos ter e dar a quem precisa, não esquecendo o poder e o universo feminino onde normalmente há amor, solidariedade, compaixão e amizade.

“Vivemos uma vida tão acelerada, que mal conseguimos falar uns com os outros, perguntar como vão as coisas. O que me incomoda é a forma como os jovens estão a deixar os mais velhos para trás”, afirmou.

Nariné Abgaryan refere que os aldeões do seu romance passam os dias a “cultivar vinho que ninguém quer ou precisa”, e acrescenta que “a globalização tem benefícios, mas também efeitos secundários negativos, quando os costumes de uma região, as coisas que definem as pessoas, são retirados”.

Apesar das desgraças, a ironia está sempre presente. A cena das botas novas, que a mulher não quis calçar ao marido quando este morreu, por achar que era um desperdício e que ele vem reclamar, assombrando-a.

É hilariante também a cena do fermento que Valinka despejou na fossa e transbordou durante a noite, deixando um cheiro horrível em toda a aldeia.

As referências às guerras também, são pouco esclarecedoras sobre o período que decorrem. "Quando a guerra começou, Anatólia tinha 42 anos", (p. 31). "Passaram mais 7 anos, a guerra terminou" (p. 34). "Tigran entrou na Academia Militar e aos 25 anos já tinha alta patente. "Começou a guerra, durante 8 anos não houve notícias dele", (p. 102). "Um ano depois, partiu para o Norte, para não ser apanhado por outra guerra" (p. 103). Pode ser a Primeira Guerra Mundial, pode ser o genocídio Arménio, o extermínio Otomano, entre 1915 e 1923.

Por todos os motivos sugerimos a leitura desta prestigiada obra e deixem "rolar nas suas mãos frescas três maças que depois, tal como rezam as lendas de Maran, deixará cair do céu na terra - uma para quem viu, outra para quem contou e a terceira para quem ouviu e acreditou no bem."