segunda-feira, 29 de julho de 2024

CLUBE DE LEITURA - JULHO 2024

Na passada quinta-feira, dia 25 de julho, pelas 21h00, decorreu a sessão, do mês de julho do Clube de Leitura, para a análise e discussão da obra "E três maçãs caíram do céu" de Nariné Abgarian.

Editada pela Presença e com tradução direta do russo por Nina Guerra e Filipe Guerra, “E três maçãs caíram do céu foi publicado originalmente em 2015 e venceu o prémio mais importante da Rússia, o Prémio Literário Yasnaya Poliana, instituído pelo Museu Leo Tolstoi.

Também foi galardoada pela sua obra infantil, que já teve adaptações cinematográficas, a autora viveu durante alguns anos em Moscovo, tendo regressado ao seu país natal em 2022, dividindo agora o tempo entre a Arménia e a Alemanha.

É o primeiro livro da romancista arménia Nariné Abgarian a ser publicado em Portugal, romance premiado e aclamado pela crítica, ambientado numa pequena aldeia das montanhas arménias.

Esta obra, que a escritora russa Ludmila Ulitskaya descreveu como “um bálsamo para a alma”, centra-se numa mulher que se convence de que vai morrer e deita-se na cama à espera”, uma história que mescla realidade e fábula, esbatendo os limites entre racional e onírico.

A história passa-se em Maran, uma pequena aldeia montanhosa arménia, onde os aldeões apanham amoras e fazem baclava (pastel doce folhado com pasta de nozes), e onde os sonhos, as pragas e os milagres são produtos da realidade, intocados pelo tempo.

Uma antiga linha telegráfica e um perigoso caminho de montanha que até as cabras têm dificuldade em seguir são a sua única ligação ao mundo exterior.

Neste lugar perdido vive Anatólia, tranquila, deitada na sua cama, à espera da morte, convicta de que só isso pode acontecer.

Antes de se deitar e vestir a roupa fúnebre preparada para o efeito, incluindo umas meias grossas de malha, porque “toda a vida teve frio nos pés”, Anatólia dedica-se a alguns preparativos finais, que incluem regar a horta e alimentar bem as galinhas, pois não sabe quanto tempo os vizinhos demorarão a dar com o seu corpo inanimado.

Depois de se deitar e folhear o álbum da família, perde-se em divagações da memória, que a transportam até à infância, dando a conhecer ao leitor a sua vida longa, em que não concretizou o sonho de ser mãe, viveu um casamento que em vez de amor lhe trouxe sofrimento, e passou anos a cuidar da biblioteca da aldeia, o centro da sua pouca felicidade.

Deitada na cama, convencida de que vai morrer, é surpreendida por um vizinho que entra de surpresa em sua casa, com uma proposta inesperada, que vai transformar a aldeia de Maran.

Quando foi publicado e, sobretudo, quando começou a ser traduzido, o romance começou a destacar-se entre a crítica literária, pela forma cativante como retrata a vida numa aldeia remota da região montanhosa da Arménia, oferecendo um olhar único sobre a cultura e a ruralidade daquela região.

Nariné Abgarian, que escreve em russo, foi elogiada pela prosa simultaneamente autêntica e poética e pela riqueza de caracterização dos ambientes e personagens, explorando as complexidades da vida humana.

Segundo o jornal The Herald, este é um romance “maravilhoso e encantador” que “celebra a palavra ‘comunidade’”, ao passo que a Publishers Weekly destaca as descrições do quotidiano “belissimamente buriladas”.

O jornal The Guardian, que em 2020 nomeou Nariné Abgaryan “uma das mais brilhantes autoras da Europa”, elogiou o romance pelas personagens complexas, a atmosfera envolvente, a visão cativante da vida numa aldeia remota da Arménia, a prosa poética e a autenticidade da narrativa.

Em entrevista a este jornal britânico, Nariné Abgaryan conta que o seu livro favorito, “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, passado na aldeia fictícia isolada de Macondo, a deixou assombrada no final, quando todos os vestígios da existência de Macondo são apagados.

Em “E Três maçãs caíram do céu”, decidiu fazer o oposto: “Queria escrever uma história que terminasse com uma nota de esperança. A humanidade está a precisar urgentemente de esperança, de histórias simpáticas”. Por isso, nesta aldeia, apesar de isolada, onde decorrem tantos acontecimentos trágicos, sobressai um espírito comunitário e de entreajuda, os habitantes preocupam-se com o bem estar uns dos outros, que nos comove e sensibiliza para a importância do apoio que todos nós precisamos ter e dar a quem precisa, não esquecendo o poder e o universo feminino onde normalmente há amor, solidariedade, compaixão e amizade.

“Vivemos uma vida tão acelerada, que mal conseguimos falar uns com os outros, perguntar como vão as coisas. O que me incomoda é a forma como os jovens estão a deixar os mais velhos para trás”, afirmou.

Nariné Abgaryan refere que os aldeões do seu romance passam os dias a “cultivar vinho que ninguém quer ou precisa”, e acrescenta que “a globalização tem benefícios, mas também efeitos secundários negativos, quando os costumes de uma região, as coisas que definem as pessoas, são retirados”.

Apesar das desgraças, a ironia está sempre presente. A cena das botas novas, que a mulher não quis calçar ao marido quando este morreu, por achar que era um desperdício e que ele vem reclamar, assombrando-a.

É hilariante também a cena do fermento que Valinka despejou na fossa e transbordou durante a noite, deixando um cheiro horrível em toda a aldeia.

As referências às guerras também, são pouco esclarecedoras sobre o período que decorrem. "Quando a guerra começou, Anatólia tinha 42 anos", (p. 31). "Passaram mais 7 anos, a guerra terminou" (p. 34). "Tigran entrou na Academia Militar e aos 25 anos já tinha alta patente. "Começou a guerra, durante 8 anos não houve notícias dele", (p. 102). "Um ano depois, partiu para o Norte, para não ser apanhado por outra guerra" (p. 103). Pode ser a Primeira Guerra Mundial, pode ser o genocídio Arménio, o extermínio Otomano, entre 1915 e 1923.

Por todos os motivos sugerimos a leitura desta prestigiada obra e deixem "rolar nas suas mãos frescas três maças que depois, tal como rezam as lendas de Maran, deixará cair do céu na terra - uma para quem viu, outra para quem contou e a terceira para quem ouviu e acreditou no bem."










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