Essa inovação deve-se à sua linguagem em ruptura com as tradições líricas portuguesas e a subversão dos géneros literários.
Os romances do autor abordam temáticas sombrias com diversas ocorrências de imagens de guerra, violência, doenças físicas e psíquicas, dor, vazio existencial.
As personagens encontram-se num mundo de difícil compreensão, onde os seus limites espaciais e temporais são abstratos.
Tendo como foco principal uma análise sobre a vida do protagonista que nomeia o livro, o texto procura captar as relações desse indivíduo no seu universo particular, como revelação das problemáticas sociais e crítica de vida.
Constantemente frio e apático, mesmo diante de ofensas, repreensões ou até nos seus raros momentos de entusiasmo, Walser é um homem de falas extremamente económicas e silêncios absolutos.
O seu convívio com as pessoas é marcado por distanciamento e isolamento.
A sua coleção de peças metálicas, muitas quebradas e imprestáveis, é a razão de sua existência e o lugar de acesso particular e exclusivamente seu, onde ninguém jamais entrou ou entrará (enquanto Walser tiver tal poder de decisão) é o seu quarto.
Na sua relação com a máquina, de que o próprio título do livro já é um tanto sugestivo, desenha-se a humanização do objeto: a sua perigosa máquina que, além de seu sustento, representa um perigoso cotidiano quando manipulada.
A personagem Klober Muller, apresentada como encarregado da fábrica onde trabalha Walser, é relevante durante o desenvolvimento do enredo. As suas falas são sempre apresentadas e dirigidas a Joseph Walser, constantemente impregnadas de argumentações e ensinamentos. Para Muller, o verdadeiro homem do século pode ter apenas um sentimento em si: o ódio a todos os demais. Tal ódio é resultado da necessidade de um isolamento, uma vez que a aproximação causa a eliminação da individualidade.
Fluzst é o único indivíduo do livro que se posiciona contra a guerra e decide tomar uma atitude a esse respeito. Os homens Fluzst M. e Klober Muller assumem posturas antagónicas. O primeiro, mesmo apesar da tentativa, não consegue superar a realidade que o oprime. O segundo compreende friamente o jogo de interesses que desenvolve as relações humanas e parece completamente adaptado ao sistema. Mas se todos os indivíduos se comportassem como ele, ou até seguissem o que ele discursa, o cenário tornar-se-ia ainda mais sombrio e devastador.
As semelhanças da história ficcionada, por mais que caricatas, com questões humanas reais que envolvem egoísmo, individualidade, traições, relações de poder, alcançam o leitor de maneira particular ainda que o narrador seja até certo ponto determinante na história.
Nota reflexiva que complementa a mensagem inerente ao conteúdo apresentado no livro "A máquina de Joseph Walser", de autoria de Gonçalo M. Tavares:
Uma estudante perguntou uma vez à antropóloga Margaret Mead qual considerava o primeiro sinal de civilização numa cultura.
A aluna esperava que a antropóloga falasse sobre anzóis, taças de barro ou pedras para afiar, mas não.
Mead disse que o primeiro sinal de civilização numa cultura antiga é o teste de uma pessoa com um fêmur partido e curado. Segundo Mead, nenhum animal sobrevive com uma perna partida o tempo suficiente para o osso se curar por si. Um fêmur partido que se curou é a prova de que alguém dedicou tempo suficiente a quem caiu, por forma a que a lesão pudesse sarar, mantendo a pessoa em segurança e provendo o seu sustento até que ela se recuperasse.
“Ajudar alguém a atravessar a dificuldade é o ponto de partida da civilização», explicou Mead. “A civilização é uma ajuda comunitária. ”
As opiniões do Clube de Leitura quanto à obra de Gonçalo M. Tavares e esta obra em particular dividem-se. Há leitoras que apreciam e outras que tentaram dar uma oportunidade ao autor, mas um pouco em vão.
Detetámos ainda que havia edições com um número diferente de capítulos. Por exemplo, a versão mais antiga, de 2004, possui 26 capítulos, enquanto que a versão mais recente, de 2023, inclui 27 capítulos, o que indica que a história apresenta finais diferentes. Um mistério que procuraremos desvendar.
Ana Azevedo
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