sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

CLUBE DE LEITURA - JANEIRO 2021

Ontem, pelas 21 horas, decorreu mais uma sessão do Clube de Leitura de janeiro, através do zoom, para a abordagem da obra "Uma vida à sua frente" de Romain Gary.

Sob o pseudónimo de Èmile Ajar, o autor recebe o seu segundo Prémio Goncourt em 1975. Esta obra foi um dos maiores êxitos de Gary, com milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, traduções em mais de vinte línguas e várias adaptações para o cinema num filme com Simone Signoret. Mais recentemente, em 2020, foi novamente adaptada para cinema pelo realizador Edoard Ponti, interpretado pela sua mãe, Sophia Loren.

Esta comovente história de amor é narrada por Momo, menino árabe, orfão, que aos três anos é entregue aos cuidados de Madame Rosa, prostituta reformada e sobrevivente de Auschwitz. Por ela, Momo sobe e desce quando necessário os seis andares do prédio que a saúde de Rosa já não lhe permite transpor.

Por ela, guardará segredo do seu refúgio "buraco judeu" e não a deixará sozinha no momento em que já se encontra fragilizada pelas maleitas da idade avançada, da velhice e na antecâmara da morte.

Nesta  narrativa brutal, emocionante, feita na perspectiva de um adolescente, que vê o mundo de uma forma muito aberta e adulta, mas, ao mesmo tempo, sóbria, infantil, ternurenta e triste, são abordados temas tão contemporâneos como a prostituição, racismo, intolerância, religião, violência, velhice, amor, amizade, desespero, esperança, fraternidade.

Rico em personagens, de agradável leitura, uma espécie de ode à velhice, conduz-nos também por uma introspecção sobre a vida humana, não deixando de parte o grande tema da eutanásia, o conflito entre judeus e árabes e as fragilidades sociais de uma franja invisível da vida parisiense. Descrita com ironia, humor, ingenuidade e perspicácia, é uma reflexão poderosa sobre o preconceito, a solidão e o encantamento do medo.

Apesar de todos os tipos de traumas implícitos, em quase todas as personagens e um agonizante momento final, surge-nos, no entanto, uma mensagem de esperança. No início, quando Momo questiona: "- Senhor Hamil, é possível viver sem amor?" Hamil não conseguiu responder, pois era-lhe dificíl, admitir que sim.

No final, a mensagem é clara. "é preciso amar".

Este romance é uma bela história de amor entre uma senhora idosa e um menino muito carente.

Recomenda-se a sua leitura!

 

Alguns excertos:

p. 52: "Todos os sábados à tarde ela punha o seu vestido azul (...) e ia sentar-se num café francês, a Coupole, em Montparnasse, onde comia um bolo". 

"La Coupole" é uma mítica cervejaria situada no bairro Montparnasse, na avenida com o mesmo nome. Foi inaugurada em dezembro de 1927 e teve um rápido sucesso. A decoração art-déco é sumptuosa. Foi adotada por muitos artistas, intelectuais, atores e atrizes. A sala tem 33 pilares simétricos, cobertos por LAP verde, encimados por colunas que foram pintadas por diferentes pintores famosos. Numa delas é possível ver Josephine Baker com umas plumas vermelhas a dançar. Foi inscrita nos Monumentos Históricos em 12 de janeiro de 1988. Em 1993 foi inaugurada, no centro da sala, uma escultura em bronze do escultor Louis Derbré, chamada "La Terre.


p. 30: "O Sr. Hamil chega-nos de Argel (...) Possui também um tapete que mostra o seu outro compatriota, Sidi Ouali Dada, que está sempre sentado no seu tapete de orações puxado por peixes. Pode parecer pouco sério, peixes que puxam um tapete pelos céus, mas é a religião que quer isso".

 

Em 1541, o imperador Carlos V (Carlos I de Espanha) atacou Argel por mar. Segundo a lenda, Sidi Ouali Dada entrou no mar e começou a bater na água com o seu bastão mágico, provocando uma tempestade que destruiu boa parte da frota de Carlos V. Graças a este milagre, tornou-se um herói e um santo. Faleceu em 1554. ...

p.42: "Era muito cómico esse medo que a Madame Rosa sentia pela campainha. A melhor altura para isso era de manhã (...) Um de nós levantava-se, saía para o corredor e tocava à campainha. (...) Madame Rosa jorrava da cama e precipitava-se pelas escadas abaixo. (...) Quando ela percebia que não eram os nazis, entrava em fúria e chamava-nos filhos da puta".

p.113: "Abri a porta devagarinho e a primeira coisa que vi foi a Madame Rosa, toda vestida, no meio do quarto, ao lado de uma pequena mala (...) - Eles vêm buscar-me. Disseram para esperar aqui, vêm com camiões e vão levar-nos ao Velódromo com o estritamente necessário. - Eles quem? - A polícia francesa. Deram-nos meia hora e disseram-nos para levarmos só uma mala. Vão pôr-nos num comboio e transportar-nos até à Alemanha. Já não terei problemas, teremos cama, mesa e roupa lavada".

Mais conhecida como "La Rafle du Vél' d'Hiv", foi o maior aprisionamento em massa de judeus realizado em França durante a Segunda Guerra. Entre 16 e 17 de julho de 1942, 13 152 pessoas, das quais quase um terço eram crianças, foram presas em Paris e arredores. 8160 foram detidas no Velódromo de Paris durante 4 dias, sem água nem comida, sob um calor insuportável. O cheiro era nauseabundo, devido à falta de casas de banho. A 18 de julho começaram as deportações para a Alemanha  e para Auschwitz, na Polónia. Menos de cem sobreviveram à deportação.  

 

Romain Gary nasceu em 1914 em Vilnius, na Lituânia (então Polónia). Judeu de origem russa, emigrou com a sua mãe para Nice em 1928. Em 1940 junta-se ao general de Gaulle e às forças livres francesas em Londres e combate como navegador da esquadrilha «Lorraine» até ao final da guerra. Ferido, recebe a condecoração suprema dos combatentes franceses, Compagnon de la Libération e foi um dos poucos sobreviventes dos duzentos homens da esquadrilha. O êxito dos seus primeiros romances, Educação Europeia e As Raízes do Céu (Prémio Goncourt 1956) tornaram-no imediatamente um escritor famoso em todo o mundo. Ocupou vários postos diplomáticos na Europa e nos EUA. Em 1975, escrevendo sob o pseudónimo Émile Ajar, ganhou de novo o Prémio Goncourt (caso «impossível» na história do prémio) com Uma Vida à Sua Frente. Gary suicidou-se em 1980, pouco mais de um ano depois do suicídio da sua ex-mulher Jean Seberg. Deixou escrito um pequeno opúsculo intitulado Vida e Morte de Émile Ajar, texto extraordinário onde revelou a «mistificação» Ajar.

 

 
 

 

 


 




 

 



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