terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Na passada quinta-feira, dia 25 de janeiro, pelas 21h00, decorreu a sessão mensal do Clube de Leitura para a análise e discussão da obra "Niketche: uma história de poligamia" da moçambicana Paulina Chiziane, que ganhou em 2003 o Prémio José Craveirinha e em 2021 foi-lhe atribuído o Prémio Camões. Com o seu primeiro livro "Balada de amor e vento" publicado em 1990, tornou-se a primeira mulher moçambicana a publicar um romance.

Trata-se de uma obra de fácil leitura, muito embora contenha um glossário de terminologia africana, com uma grande fluidez de linguagem, simplicidade e espontaneidade. Os seus recursos linguísticos estão presentes na narrativa por vezes poética, através de metáforas e alegorias que aludem ao universo mítico da cultura moçambicana. Aborda temáticas contemporâneas, como a luta pela liberdade e o resgate de raízes culturais como a poligamia, o papel da mulher ao longo deste período e o seu crescente empoderamento, assim como tradições, guerras, tragédias, disputas políticas desde a colonização, à independência em 1975 e os 17 anos seguintes de uma guerra civil, que só terminou em 1992.

Paulina, que foi ativa na vida política tendo sido membro da FRELIMO, encaminha-nos para uma reflexão sobre a condição feminina, os anseios, os desejos, angústias e esperanças de quem enfrenta o machismo, o patriarcado, produto de uma sociedade conservadora e que reserva para a mulher um papel de submissão. De forma pedagógica, a autora, através da personagem principal, aponta uma estratégia para resgatar a dignidade da mulher, da sua afirmação e capacidade de participação na vida social em igualdade com os homens.

Os constantes diálogos com o espelho simbolizam uma tentativa de superação de uma imagem social. Com um humor carregado de delicadeza, expressa ideias, pensamentos e papéis da sociedade africana.

Paulina Chiziane é uma mulher livre. Escreve o que quer e como quer, sem submissão a regras. Escreve para si mesma num exercício íntimo de reflexão. Escreve para dar voz aos que a não têm, em especial às mulheres mais frágeis do seu país.

Considera-se uma contadora de histórias, de tanto que foi ouvindo à volta da fogueira, mas noites esnluaradas da sua aldeira banta. É dela que saiem as personagens dos seus romances.

Os temas sociais, a condição feminina da mulher africana, as relações de poder e submissão dirigidas do homem para a mulher são os temas inspiradores de "Kiketche: uma história de poligamia".

História muito atribulada do casamento de Rami com Tony, chefe de polícia, senhor de respeito, tu cá tu lá com ministros e outros poderosos. Casamento na igreja, aliança no dedo, comunhão de bens. Mas... Tony é incorrigivelmente infiel e, desculpando-se com a tradição, vai colecionando amantes, que usa e abusa a seu belprazer, que engravida e abandona à medida da sua vaidade, do seu autoritarismo, da sua capacidade de novas conquistas.

Rami sofre, mas é uma mulher forte, lúcida, determinada e parte à descoberta das suas rivais. E, surpreendentemente, o que começa por ser despeito, ciúme e rancor por elas, transforma-se no tempo em compreensão, solidariedade e respeito.

Afinal, Rami e as suas quatro rivais são pares e não opositoras, todas vítimas do mesmo opressor, das mesmas ofensas, da mesma humilhação. Inspiradas por Rami e somando as diferenças e virtudes de cada uma, constituem-se num corpo único, que corajosamente enfrenta e derruba Tony, conquistando o direito à felicidade e à escolha do seu próprio caminho.

Júlia Baptista









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