segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

CLUBE DE LEITURA - FEVEREIRO




Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.



Livro indicado: "UMA CANA DE PESCA PARA O MEU AVÔ" DE GAO XINGJIAN



Data: 28 fevereiro, 21h00 às 22h00 





Sinopse: Recordações de infância, as alegrias simples do amor e da amizade, a terra natal e os seus lugares familiares, mas também os dramas da rua ou as tragédias vividas pela China, são estes os temas destes seis contos escolhidos pelo autor.


Com um imenso talento, Gao Xingjian brinca com estas imagens e com a sua escrita, leva-nos, como se nada fosse, a entrar nos seus sonhos mais íntimos - quer sejam os do rapazinho que se tronou adulto, de um jovem recém-casado perdido de amor ou de um nadador em risco de vida... Sorrisos e lágrimas atravessam esta leitura, que nos deixa o belo e suave sabor da emoção.

Plano Nacional de Leitura Livro recomendado para o 3º ciclo, destinado a leitura autónoma.



GAO XINGJIAN - PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 2000


Escritor, dramaturgo, crítico e pintor chinês, Gao Xingjian nasceu a 4 de janeiro de 1940, em Ganzhu, na China.


Tirou o curso de francês no Instituto de Línguas Estrangeiras em Pequim, tendo traduzido para chinês várias obras dos seus autores franceses preferidos. Durante a revolução cultural chinesa foi enviado para um campo de reeducação. Desde essa altura até 1979 foi impedido de sair do país. A partir desta data foi autorizado a publicar algumas das suas obras, que nunca foram bem acolhidas por serem consideradas uma afronta ao regime chinês.


Abandona a China em 1988 refugiando-se na França, país onde se naturalizou. Em 1989, com os trágicos acontecimentos na praça Tienamen, pertencendo à geração de dissidentes, viu as suas obras censuradas no seu país de origem.
Em 1995 publica na França aquela que é considerada a sua obra-prima La Montagne de l'âme, onde denuncia o sistema totalitário chinês. É autor de outras obras como, por exemplo, o romance Le Livre d'un homme seul (1999), os ensaios Ma conception du théâtre (1986) e Clés pour mon théâtre (1991), e as peças La fuite (1992) e Le Somnambule.


Em Portugal não existiam até 2001 traduções da sua obra e apenas se sabia que tinha sido traduzida para francês e para inglês. Apesar de pouco conhecido internacionalmente, Gao Xingjian recebeu o prémio Nobel da Literatura a 13 de outubro de 2000. Este facto causou a indignação da Associação de Escritores Chineses que consideraram a atribuição do prémio uma atitude política em vez de literária.


Para além da escrita, dedica-se também à pintura tendo participado em exposições. É autor das ilustrações das suas próprias obras.
Em 2001 foi traduzida para português a obra Uma Cana de Pesca para o meu avô e em 2002 o livro A Montanha da Alma


Opiniões

"Com imenso talento, subtileza e inteligência, Gao Xingjian percorre, nestes seis inesquecíveis contos, os lugares da infância, as alegrias simples do amor e da amizade, os dramas da rua e as tragédias vividas pela China. Sorrisos e lágrimas atravessam esta leitura, que nos deixa o belo e suave sabor da emoção. A revelação de um dos maiores escritores chineses da actualidade."

Eis que, no espaço de um mês leio dois prémios Nobel da literatura, Ivo Andrić e agora o Gao Xingjian, escritores dos quais ainda não tinha lido nada. :)
Uma Cana de Pesca para o Meu Avô, é uma colectânea de contos a transbordar de simplicidade, cultura oriental e poesia.
Ao longo dos cinco contos que compõem este pequeno livro, o escritor dá-nos a conhecer o amor, a amizade, a morte, a saudade e a vida.
No primeiro conto, O Templo, intromete-mo-nos na lua-de-mel de um casal jovem que transmite uma tal serenidade na forma de se amarem e de estarem juntos, não só como casal, mas também como amigos e companheiros que são, que só podemos sorrir durante a sua leitura.
No segundo conto, O Acidente, passamos da vida e do amor para a morte e um outro tipo de amor. Neste conto, um homem é atropelado por um autocarro e morre. No local do acidente junta-se uma multidão perplexa e cheia de opiniões, como só este tipo de desgraças consegue juntar. O fascínio que todos acabamos por sentir, de uma forma ou de outra, por situações como esta é estranhíssimo, inexplicável e, neste caso inconsequente, porque passadas apenas algumas horas após o acidente, já todos seguiram com as suas vidas e no local do acidente já nada nem ninguém recorda a vida que ali se perdeu.

O terceiro conto, A Cãibra, traz o tema do mar, que se repete nos contos que se seguem. Um rapaz nada no mar e sente uma cãibra, aflito para regressar a terra firme deseja que a rapariga que estava a tentar impressionar o tivesse visto entrar no mar e se aperceba da sua situação.
No quarto conto, Num Parque, conhecemos um rapaz e uma rapariga que se reencontram ao fim de alguns anos. No passado gostaram um do outro mas nunca deram o passo que levaria a relação mais além. A vida separa-os e, agora que se voltaram a encontrar, aquilo que sentiam um pelo outro, embora intacto já não faz muito sentido. Ao longe, no mesmo parque, observam uma rapariga que chora. Não a tentam consolar porque de nada servirá, a dor é algo que faz parte da vida e da qual não se consegue fugir.
O conto que dá nome ao livro, Uma Cana de Pesca para o Meu Avô, é o mais extenso e aquele em que a escrita de Gao Xingjian se torna mais apelativa e imaginativa. Um conto com um cheirinho oriental e muito bom de se ler, cujo título resume bem aquilo de que trata. Um homem jovem compra uma cana de pesca para o avô que não vê há muitos anos e de quem sente muita falta. O conto narra a infância deste homem junto do avô que lhe ensinou tanto. Uma história de saudade, de esquecimento e lembrança.
O último conto, intitulado Instantâneos, não é bem um conto, mas sim, como o próprio nome indica, instantâneos. A narração de alguns instantes nas vidas de várias personagens sendo possível perceber um fio condutor que os liga uns aos outros. O mar volta a ser uma referência importante. Gostei bastante destes Instantâneos. :)
Gostei desta colecção de pequenas histórias e da escrita de Gao Xingjian, poética e colorida.
Recomendo!



 


CLUBE DE LEITURA - JANEIRO

Na passada 5ª feira, pelas 21h00, na Biblioteca Municipal, decorreu mais uma sessão do Clube de Leitura, desta vez para a abordagem da obra "O ano da morte de Ricardo Reis" de José Saramago.

Em boa hora fomos brindadas com a presença de um dos elementos do Clube, que é especialista também nesta obra. Daí que se tornou ainda mais fascinante perceber a sua complexidade e alguma simbologia que não se vislumbra facilmente.
Esta obra é um verdadeiro tratado  de intertextualidade, ou seja, Saramago recria uma personagem a partir de outra,  já criada por Fernando Pessoa.
Foi uma das obras prediletas de Saramago, em que o protagonista é Ricardo Reis,  um dos heterónimos de Fernando Pessoa, que desembarca em Lisboa, em 1936, vindo do Brasil onde se havia refugiado por motivos políticos.
Este trágico ano é para Saramago o verdadeiro protagonista do livro, por ser o ano em que ocorreram factos terríveis.  As camisas verdes dos salazaristas aliam-se às camisas negras, castanhas, azuis dos fascistas, nazis e falangistas. Há a guerra na Etiópia e uma revolta militar conduz Espanha à Guerra Civil.
O espectador é Ricardo Reis  que assiste a todos estes acontecimentos e Saramago, através da sua mestria literária, conduz-nos a esta sombria época, que mais tarde vem a degenerar na 2ª Guerra Mundial.
Conhecemos Ricardo Reis, como um dos 4 heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, imaginado em 1913. Nasceu no dia 19 de setembro de 1887, natural do Porto, de educação jesuítica, possuía uma formação clássica, latinista e semi-helenista, adquirida de forma autodidática. Gostava de andar a cavalo e comportava-se como um aristocrata. Na sua biografia não se sabe a data da sua morte. Publica  as suas 8 odes entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. 
Torna-se médico e por ser monárquico expatriou-se de livre vontade para o Brasil.
Quando regressa a Portugal abre um consultório para tentar a sua reinserção na sociedade, mas Reis é um homem cheio de contradições.
Ana Paula Arnaut, docente da Universidade de Coimbra, no congresso Internacional “José Saramago: 20 anos como Prémio Nobel”, afirma que “Para compormos o retrato do ‘outro’ Ricardo Reis, de Saramago, que é também o ‘um’, de Pessoa ou vice-versa, há que entrar no jogo, tão ao gosto do poeta modernista, e fingir tão completamente que chegamos a fingir aceitar como pessoa a pessoa que deveras o é”, disse, tendo em mente o célebre poema pessoano “Autopsicografia”.
É efetivamente uma criação Pessoana reajustada do universo alternativo que o romance de Saramago consubstancia.
Reis não fica indiferente ao espetáculo do mundo em que viveu, em 1936,  ano em que deflagrou a  Guerra Civil Espanhola, em Portugal ocorreu o levantamento contra a ditadura de Salazar com a Revolta dos Marinheiros.
A diferença entre Ricardo Reis e o original decorre não só da dimensão carnal que vive, em nítido abandono do estoicismo porque o outro pauta a sua vida.
O Ricardo Reis de Saramago é-nos apresentado com algumas características semelhantes ao original, mas aqui não é tão apático, é sentimental, culto, informado, sensível e humano.
Apesar da obra não ser considerada um romance histórico, há uma  grande riqueza de factos históricos, sociais, políticos, sentimentais, etc. 
Tão rica que até nos surge uma personagem feminina muito interessante, "Lídia à beira rio", uma mulher com M grande, humilde, analfabeta, mas segura de si, emancipada, que decide ter um filho de Ricardo Reis.
Há muito de Saramago nesta obra, a sua ideologia política está expressa em alguns momentos e também quando refere na página 188  que "...a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou alguma coisa que está dentro de nós…" 
Esta é uma obra emblemática, que certamente lhe exigiu não só um profundo conhecimento da obra pessoana, mas também um grande estudo daquele período histórico, o que fez Pilar del Rio vir de Espanha a Portugal, conhecer Saramago, fazê-lo viver uma paixão avassaladora e acabar com a sua solidão.