Ela era absolutamente normal. Não era bonita, mas também não era feia.
Fazia as coisas sem entusiasmo de maior, mas também nunca reclamava.
Deixava o marido viver a sua vida sem sobressaltos, como ele sempre
gostara. Até ao dia em que teve um sonho terrível e decidiu tornar-se
vegetariana. E esse seu ato de renúncia à carne - que, a princípio,
ninguém aceitou ou compreendeu - acabou por desencadear reações
extremadas da parte da sua família. Tão extremadas que mudaram
radicalmente a vida a vários dos seus membros - o marido, o cunhado, a
irmã e, claro, ela própria, que acabou internada numa instituição para
doentes mentais. A violência do sonho aliada à violência do real só
tornou as coisas piores; e então, além de querer ser vegetariana, ela
quis ser puramente vegetal e transformar-se numa árvore. Talvez uma
árvore sofra menos do que um ser humano.
Este é um livro admirável sobre sexo e violência - erótico, comovente,
incrivelmente corajoso e provocador, original e poético. Segundo Ian
McEwan, «um livro sobre loucura e sexo, que merece todo o sucesso que
alcançou».
Na Coreia do Sul, depois do anúncio do Man Booker International Prize, A
Vegetariana vendeu mais de 600 000 exemplares. Aplaudido em todos os
países onde está traduzido, é um best-seller internacional.
Opiniões:
Quem é Han Kang?
Han Kang nasceu na Coreia do Sul. Estudou Literatura Coreana na
Universidade de Yonsei e ensina atualmente Escrita Criativa no Instituto
de Artes de Seul. Os seus textos receberam vários prémios literários.
A Vegetariana, o seu primeiro romance a ser publicado em Portugal, foi o grande vencedor do
Man Booker International Prize
em 2016, entre autores conceituados como Elena Ferrante e Ohran Pamuk,
tornando-se um best-seller internacional, aplaudido em todos os países
onde está traduzido. Escreveu depois
Atos Humanos, que vendeu milhares de exemplares só no país natal da autora, e
O Livro Branco.
Outras obras:
- O livro branco (2019)
- Atos humanos
Excertos Graça Serra:
"Mancha Mongólica" é o título do segundo capítulo da obra "A
Vegetariana".
Na pág. 65 deste
segundo capítulo esta expressão é novamente referida:
E podia nem sequer
tê-la concebido [aquela imagem], não
fosse ter havido aquela conversa casual. Se a mulher não lhe tivesse pedido
para dar banho ao filho naquela tarde de domingo; se não a tivesse visto a
ajudar o filho a vestir as cuecas depois de o ter enxugado com a toalha; se não
tivesse sido levado a exclamar, "Essa mancha mongólica continua tão
grande! Quando é que costumam desaparecer?"; se ela não lhe tivesse respondido,
sem pensar, "Bem...não me lembro ao certo quando é que a minha
desapareceu, a da Yeong-hye durou até aos vinte anos"; se, depois do seu
"Vinte?", atónito, ela não tivesse dito, "Hum...era do tamanho
de um polegar, azulada. E, se a teve tanto tempo, se calhar ainda a
tem"... Foi nesse preciso momento que ele foi atingido, como se de um raio
se tratasse, pela imagem de uma flor azul nas nádegas de uma mulher, com as
pétalas a abrirem-se.
A Mancha Mongólica é
uma mancha de nascença, mais comum em bebés de origem asiática (90%) ou de raça
negra (80%). Nos caucasianos europeus a incidência é de menos de 10%. O seu tom
é semelhante ao de uma nódoa negra, entre o cinzento, o roxo e o azul. A
localização mais habitual é nas costas ou nádegas, mas também pode aparecer nos
braços, pernas ou ombros. Tende a desaparecer na primeira infância mas pode
acompanhar a criança até à adolescência ou à vida adulta (caso da personagem do
livro). Foi identificada em 1883 por um antropólogo alemão radicado no Japão,
Erwin Bälz, que a batizou assim por acreditar que era mais comum entre os seus
pacientes mongóis (entretanto já foi provado que os Mongóis não são mais
suscetíveis às manchas azuis do que outras pessoas, mas o nome ficou). O
nome científico é Melanocitose Dérmica Congénita. Ocorre igualmente em meninos
e meninas. Pode ter de 2 a 10 cm de largura, em média, porém sem nenhum tipo de
textura diferente da restante pele. Não dói nem dá comichão. E não tem
nada a ver com Síndrome de Down (Mongolismo).

Cap. 2, página 83:
Quando ele viu o letreiro de um café,
perguntou-lhe:
- Gostas de granizados?
(...) Sentaram-se os dois junto da janela.
Ele olhava-a em silêncio, enquanto ela misturava feijão encarnado no refresco,
lambendo o resto que ficara na ponta da colher de madeira.
Um granizado com feijão encarnado parece
estranho, mas afinal existe mesmo, chama-se PATBINGSU e é uma das sobremesas
mais populares na Coreia do Sul. Literalmente significa "raspadinha de
feijão" e consiste em gelo raspado coberto com uma pasta doce de feijão
encarnado, feita com feijões cozidos aos quais se junta açúcar ou mel. Pode ser
encontrada na maioria das padarias, pastelarias e cafés da Coreia do Sul ou em
mercados de rua. Em alguns casos é acompanhado com bolinhos de
arroz.
Entretanto a receita foi evoluindo e
atualmente existem inúmeras variações da receita original, com coberturas de
leite condensado, xaropes de frutas, cereais, gelado, frutos secos ou naturais.
Algumas nem incluem a tradicional pasta de feijão vermelho e nesse caso
chamam-se apenas BINGSU.

No 2º capítulo, pág. 114, o
marido artista de Kim In-hye, que nunca é referido pelo seu nome ao longo da
obra, encontrou-se com P., uma artista também, a quem pediu que lhe pintasse o
corpo com flores.
P. aproximou-se da entrada principal do
prédio de apartamentos. Os dois tinham namorado durante quatro anos, até ela
ter rompido o namoro. Mais tarde, casara-se com um antigo colega da escola
primária, que acabara de passar no exame à Ordem dos Advogados. O marido era a
principal fonte de rendimentos da família, mas ela ia conseguindo articular a
vida de casada com o trabalho. Realizara várias exposições individuais,
tornando-se um nome importante entre os colecionadores de Gangnam, o que
obviamente provocara uma corrente de calúnias invejosas por parte de quem a
conhecia.
Gangnam é o nome da área mais rica de
Seul, o centro moderno e sofisticado, que alberga arranha-céus reluzentes,
lojas de estilistas famosos, restaurantes de luxo e discotecas e bares
elegantes.
Esta zona de Seul ficou imortalizada numa
canção do rapper sul-coreano PSY (nome artístico), lançada
em Julho de 2012, chamada "Gangnam Style", que teve um
enorme sucesso e foi uma febre que se instalou em todo o mundo. O seu
vídeoclip tem mais de 3 mil milhões de visualizações só no youtube. A canção é
uma paródia do estilo de vida dos "novos ricos" de Seul, que fazem de
tudo para imitar o estilo de vida luxuoso associado ao distrito de
Gangnam. Vamos recordar?
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segunda, 12/04,
19:46 (há 2 dias)
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https://youtu.be/9bZkp7q19f0
https://youtu.be/OEu1OWf8ezU
https://youtu.be/Xvjnoagk6GU
https://youtu.be/OwJPPaEyqhI
Cap. 2, pág. 116:
"Muito interessante. Estou admirada.
(...) A tua alcunha costumava ser "o sacerdote de maio", sabias?
Depois de Gwangju, a tua arte tornou-se tão engagé que até parecia que estavas a expiar o facto de teres
sobrevivido ao massacre de maio. Parecias tão sério, tão ascético..."
Gwangju é uma cidade da Coreia do Sul
situada no sudoeste do país. Em 1980, foi palco de violentos confrontos entre
exército/polícia e cidadãos que protestavam contra o governo, tendo morrido
dezenas de pessoas no que ficou conhecido como "Massacre de Gangju".
A insurreição popular ocorreu de 18 a 27 de maio de 1980.
Este massacre teve um impacto profundo na
política e história da Coreia do Sul, abrindo caminho para os movimentos
posteriores na década de 1980 que, com o passar do tempo, levaram a democracia
à Coreia do Sul. Converteu-se assim em símbolo da luta dos sul-coreanos contra
os regimes autoritários e pela democracia.
Curioso que a escritora Han Kang nasceu em
Gwangju, em 27 de novembro de 1970 mas mudou-se para Seul com a família 4 meses
antes dos massacres, tinha então 9 anos.
Mais tarde viria a escrever um romance
baseado neste massacre, chamado "Atos Humanos". Foi o seu 6º romance
e o segundo a ser publicado em Portugal, em 1 de setembro de 2017. A autora
esteve em Portugal para o lançamento do livro, esteve na Feira do Livro do
Porto e deu uma entrevista ao Jornal "Observador", onde fala da
obra.
A tradutora inglesa Deborah Smith,
que traduziu do original coreano para inglês, dividiu o prémio Man Booker com a
autora, Han Kang. E tem recebido inúmeras críticas por causa das suas omissões,
traduções incorretas e enfeites, com advérbios, superlativos e palavras que não
aparecem no original. Os críticos sul-coreanos consideram que ela interferiu
tanto no livro, que a acusam de o ter reescrito, como se fosse uma nova
criação. Referem que isso acontece não uma ou duas vezes, mas em todas as
páginas.
Como a versão portuguesa é uma tradução da
tradução inglesa, resta saber até que ponto o que nós lemos foi escrito por Han
Kang ou por Deborah Smith.
Em baixo, um artigo de opinião sobre este
assunto, de uma jornalista e redatora brasileira, que é bastante
esclarecedor.
https://medium.com/renataarruda/a-vegetariana-nuance-em-tradu%C3%A7%C3%B5es-de-han-kang-origina-dois-livros-quase-diferentes-8884705c9018
Cap. 3, pág. 139:
"Sempre que o Ji-woo der um passo, o
que é que achas de eu fazer uma animação com flores a saltarem-lhe dos pés, como
naquele filme do Hayao Miyazaki? Não, flores não, era melhor borboletas. Ah,
nesse caso, devíamos filmar outra vez, mas num relvado."
Hayao Miyazaki, nascido em Tóquio em 5 de
janeiro de 1941 (tem 80 anos), é um dos mais respeitados cineastas do mundo e
um ícone da animação japonesa.
Os seus trabalhos são caraterizados pela
recorrência de certos temas: ecologismo, pacifismo, amor e família.
As suas obras têm sido muito elogiadas e
premiadas, dentro e fora do Japão. Em 2003 ganhou o Óscar de Melhor Filme de
Animação pelo seu filme "A viagem de Chihiro", lançado em julho de
2001. Recebeu ainda, em 2014, um Óscar Honorário, pelas suas contribuições para
a animação.
Há vários filmes seus disponíveis na
Netflix, entre os quais o famoso "A viagem de Chihiro", que lhe deu o
Óscar.


A tradutora inglesa Deborah Smith, que traduziu do original coreano para inglês, dividiu o prémio Man Booker com a autora, Han Kang. E tem recebido inúmeras críticas por causa das suas omissões, traduções incorretas e enfeites, com advérbios, superlativos e palavras que não aparecem no original. Os críticos sul-coreanos consideram que ela interferiu tanto no livro, que a acusam de o ter reescrito, como se fosse uma nova criação. Referem que isso acontece não uma ou duas vezes, mas em todas as páginas.
Como a versão portuguesa é uma tradução da tradução inglesa, resta saber até que ponto o que nós lemos foi escrito por Han Kang ou por Deborah Smith.
Em baixo, um artigo de opinião sobre este assunto, de uma jornalista e redatora brasileira, que é bastante esclarecedor.
| Tradução costuma ser um assunto complicado. A versão para o inglês de A vegetariana, best-seller da sul-coreana Han Kang que foi relançado no Brasil pela editora Todavia em 2018, se tornou ... |
Bem... este foi um dos livros mais perturbadores que já li em toda a minha vida... estava eu a pensar que ia ler sobre as dificuldades sociais de ser vegetariana e fui dar com um livro que é psicologicamente perturbador! Este livro será deveras fascinante para todos os profissionais do foro da saúde mental, é uma crítica social brutal para com a cultura coreana, o facto de as mulheres serem basicamente servas dos homens e não serem bem-vistas as mulheres com personalidade própria, a escrita é muito fluída e fácil de ler, no entanto tem sempre um tom muito melancólico e ... é raro eu não me conseguir expressar bem nas minhas opiniões... só para verem como esta leitura me afectou!... tem um tom sofrido, intenso, muito dramático e... sinceramente perturbador... É também um drama familiar com uma grande carga de crítica social, pois os familiares da mulher que se torna vegetariana após um sonho demasiado intenso sobre o consumo de carne e a aversão que a partir daí todo o tipo de carne e derivados animais lhe causa, a forma como é ostracizada pela família e pela sociedade é de uma crueza brutal!
Perspetiva interessante, história descrita e desenvolvida pela interpretação de 3 personagens. É um livro que vai perfurando o nosso sossego. Impressiona pelo detalhe e perdura na memória.