No passado
dia 26 de novembro, pelas 21h00, através do zoom, decorreu mais uma sessão do
Clube de Leitura de novembro, para análise e discussão da obra "A valsa do
adeus" de Milan Kundera.
“Se queremos compreender o mundo temos que
abarcá-lo em toda a sua complexidade, na sua essencial ambiguidade”.
Por isso, para compreender melhor este
romance, as personagens e o ambiente em que decorre é importante saber que
Milan Kundera é um dissidente do regime comunista da antiga Republica Checa. Nasceu em 1929, em Brnö, na antiga Checoslováquia,
exilou-se em França em 1975, fixou residência em Paris, adotando a
nacionalidade francesa em 1981.
Autor de uma vasta obra, que abrange o romance, o
ensaio e a poesia, é considerado um dos mais importantes escritores do século
XX.
“A Insustentável Leveza do Ser”, publicada em 1983 é a
sua obra mais aclamada pelos leitores e pela crítica, foi adaptada para cinema
em 1988, sob a direção de Philip Kaufman e com Daniel
Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin no
elenco, o que terá contribuído para o tornar num autor reconhecido
internacionalmente.
Entre outros, foram atribuídos a Milan Kundera o
Prémio Médicis (1973), o Prémio Mondello (1978), o Prémio Common Wealth (1981),
o Prémio Jerusalém (1985) e o Prémio Independent de Literatura Estrangeira
(1991).
Talvez devido ao seu passado familiar
ligado à música, Kundera terá escolhido o título do romance “ Valsa
do adeus” inspirado na famosa composição de Chopin, com o mesmo título.
Publicado em 1976, foi o seu último livro escrito na antiga Checoslováquia e
considerado o mais divertido.
Valsa do adeus de Chopin: https://youtu.be/KE4__FnR778
Num ambiente de águas termais,
recomendadas para tratamento do coração dos homens e a esterilidade das
mulheres, durante cinco dias, de segunda a sexta-feira, oito pessoas
envolvem-se e afastam-se, num contínuo rodopio de encontros e desencontros, ao
ritmo de uma valsa, orquestrada por Kundera com muita ironia e humor.
Narrativa rápida, inteligente, envolvente, retrata o
comportamento de pessoas normais apanhadas em situações imprevisíveis. Não há
verdades absolutas, antes mentiras desesperadas, muitas contradições e algumas
situações pouco verosímeis.
Os temas abordados são a esterilidade, o amor não
correspondido, o adultério, a depressão e o aborto. Kundera reúne neste romance
todos os elementos que podem perturbar o amor. A música dá partida para o tema
inicial do livro: a gravidez indesejada de uma jovem em contrapartida ao desejo
de ser mãe que leva as mulheres até a estação de águas. Aos poucos, Milan
Kundera apresenta-nos a outros pares, a outros temas. E, através dessas
personagens, o autor levanta questões mais do que nunca atuais, como a ética
dos processos de fertilização, a traição entre amigos, os limites da paixão, as
armadilhas do ciúme, o despertar do erotismo, a necessidade de tomar as rédeas
da própria vida ou morte. Aos poucos Kundera vai desmontando este enredo para
montar um desfecho surpreendente e ousado.
Ruzena, uma jovem e bela enfermeira da casa de banhos,
e Klima, um célebre músico de jazz, estão no centro duma enorme
confusão amorosa, “temperada” com pormenores hilariantes.
Ruzena e Klima conheceram-se na noite em
que o jovem e charmoso trompetista atuou na estância termal. Dormiram juntos.
Não voltaram a ver-se. Dois meses depois (segunda-feira), ela liga-lhe e
diz-lhe que está grávida “e ele ficou paralisado de terror”. Será mesmo o pai
da criança? Ele diz-lhe que é “fisiologicamente impossível”. Estiveram juntos
apenas uma vez. Tem de convencê-la a abortar. Como? Com promessas e mentiras.
Klima é casado com Kamila, uma
bela mulher de saúde frágil, que renunciou à carreira de cantora. Ele ama-a infinitamente. Sente o coração despedaçar-se
quando a vê triste. “Perde-se” em casos de infidelidade, mas volta para ela
sempre mais apaixonado. Já Kamila ama o marido doentiamente. Torturada
pelo ciúme não acredita em nada do que ele lhe diz. Tem medo de todas as
mulheres que gravitam à volta dele. Silencia a sua desconfiança para não o
enfurecer. Aprendeu a “jogar” com a tristeza para o atrair. Porque não
procura ela algum conforto no mundo dos homens? Porque o ciúme
possui o poder espantoso de iluminar de raios de luz intensos o ser único,
mantendo a multidão dos demais homens numa obscuridade total.
Às 9.00 horas da manhã do dia seguinte,
Klima chega a à estância termal. Antes de
falar com a enfermeira, encontra-se com o doutor Skreta,
director dos serviços de ginecologia. Tenta convencê-lo de que aquela criança
não pode ser sua, que duvida até que Ruzena esteja realmente grávida.
“- Examinei-a ontem. Está grávida – disse o médico”.
É um Klima apavorado e angustiado que se
senta à frente de Ruzena.
Ela diz que nunca aceitará
abortar. “Não nunca… Ele, perde o uso da fala…” mas não da
capacidade inventiva e pouco depois é uma Ruzena empolgada que confidencia às
colegas: “- Ele disse que me amava e que ia casar comigo… mas não quer que
eu tenha já um filho”.
Mas esta valsa não é só dançada por Ruzena
e Klima. Outros dançarinos rodopiam no salão:
Bertlef (o rendeiro americano rico louco por
mulheres);
Olga (a mais antiga utente da estância termal);
Frantisek (o tresloucado namorado de Ruzena,
que insiste que o filho é seu);
Jakub, será o próprio Kundera? (o decepcionado
militante do movimento politico comunista, vítima das depurações, que pretende
abandonar definitivamente o país e está na estância termal para se despedir da
amiga e protegida Olga, e devolver ao doutor Skreta o comprimido de veneno que
em tempos este lhe havia preparado) e Kamila (que também aparecerá por
lá).
Jakub, para muitos dançarinos é um mero desconhecido,
vai interferir no ritmo desta valsa. Ruzena cruza-se com ele num
café. Desagrada-lhe o seu rosto. Acha-o irónico e ela detesta a ironia. O olhar
dele assusta-a. Sai apressada e esquece sobre a mesa um tubo com comprimidos.
Jakub apanha-o.
Na quinta-feira o trompetista volta
a tocar na estância. A mulher, sem que ele saiba, aparece de surpresa e assiste
ao concerto. Acabam por dormir na estância.
No dia seguinte, ele acorda e sai
apressado do quarto. Tem de falar urgentemente com Ruzena.
Entretanto, na sala de banhos Frantisek e
Ruzena discutem violentamente à frente das utentes.
Kamila, enfurecida vai à procura do
marido. Num corredor encontra Jakub. Caminham lado a lado e ele fala, fala,
fala. Separam-se.
Depois daquele encontro começa a sentir-se
segura de si e mais bela. O marido deixa de ser o único homem do mundo. O
eventual fim do seu casamento, já não lhe inspira nem angústia nem medo.
O que lhe disse Jakub? “Que ia partir para
sempre”, “que vivera toda a vida como um cego e que não desconfiava sequer de
que a beleza existisse. Ela compreendia-o. Porque acontecia a mesma coisa com
ela. Também ela vivia na cegueira. Via apenas um único ser, iluminado pelo
farol violento do ciúme”
O romance foi construído com o rigor de um romance
clássico e fruto de uma invulgar capacidade de síntese e imaginação prodigiosa,
sendo, ao mesmo tempo, um modelo de virtuosismo. Contém uma profunda reflexão
sobre a alma humana, as relações pessoais, a política, a filosofia
existencialista, a arte, a ciência, o cristianismo, o sexo, a amizade, a
repressão que conduz a uma evidente necessidade de fuga sem no entanto deixar
de se sentir uma nostalgia enorme pelo país que tem que abandonar. Todas as
personagens precisam de despedir-se de algo e conseguem-no porque a vida é
cheia de valsas do adeus…
Neste romance o autor aborda questões sérias de uma
forma divertida, com algumas situações pouco verosímeis, ora com uma ferocidade
burlesca e humor negro chocante, ora com uma forma extremamente terna com que
retrata as personagens femininas.
E, finalmente, para aligeirar apetece reler o poema
“Quadrícula” de Carlos Drumond de Andrade…
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.