Ontem, pelas
21 horas, através do zoom, retomamos as sessões do Clube de Leitura que tinham
sido interrompidas em março, pelas razões que todos conhecemos.
Durante a sessão houve algumas
dificuldades de comunicação, mas vamos aprimorar tudo para a próxima sessão,
que será no dia 26 de novembro, pelas 21h00.
A obra em análise e discussão foi
"O talentoso Mr. Ripley" de Patricia Highsmith.
O Clube de Leitura completou no
passado dia 25 de outubro, 8 anos de existência.
Em jeito de balanço, ao longo destes
anos houve 93 sessões e foram lidos 108 livros.
Não foi possível organizar uma festa
e cantar os parabéns ao nosso menino clube, mas logo que seja possível vamo-nos
vingar.
"O Talentoso Mr. Ripley" foi escrito por Patricia Highsmith em
1955 e é o primeiro livro de uma saga consagrada a Tom Ripley, a
"Riplíada", formada por 5 livros:
1-The Talented Mr. Ripley (1955)
2-Ripley Under Ground (1970)
3-Ripley's Game (1974)
4-The boy who followed Ripley (1980)
5-Ripley Under Water (1991)
Nos 5 livros, Ripley comete homicídio 9 vezes e indiretamente causa 4
mortes adicionais. No 1º livro, O Talentoso Mr. Ripley, assassina Dickie
Greenleaf e Freddie Miles.
Os 3 primeiros livros foram adaptados ao cinema.
O 1º, "O Talentoso Mr. Ripley", deu origem a 2 filmes:
- "Plein Soleil", em 1960, com Alain Delon no papel de
Ripley
- "O Talentoso Mr. Ripley" (mesmo nome do livro), em 1999,
com Matt Damon no papel de Ripley.
O 2º, "Ripley Under Ground", foi adaptado em 2005, com Barry
Pepper no papel de Ripley.
O 3º também deu origem a 2 filmes:
-"The American Friend", em 1977, com Dennis Hopper no papel de
Ripley.
-"O Jogo de Ripley" (mesmo nome do livro), em 2002, com John
Malkovich.
Como nasceu a ideia de Ripley?
Foi a própria Patricia
Highsmith que contou, numa entrevista, como aconteceu.
Foi numa manhã, no verão de 1952, em Positano, Itália. A escritora (na
altura com 31 anos) estava a viajar pela Europa com a namorada e albergou-se
num hotel em Positano. De manhã acordou e veio até à varanda do quarto que dava
sobre a praia. Foi quando viu "um jovem solitário de bermuda e sandálias,
com uma toalha pendurada ao ombro, percorrendo a praia". Começou então a
imaginar o que ia na sua mente mas só 2 anos mais tarde, quando iniciou o novo
romance, deu vida ao seu anti-herói.
Patricia
Highsmith a partir desta visão criou o romance policial psicológico e Tom
Ripley passa a ser a personagem de referência da sua obra, um dos mais
"negros" do policial do pós-guerra, "um homem que não reconhece
a culpa em qualquer circunstância", segundo as palavras da escritora.
A obra da autora desde cedo apaixonou os cineastas. O seu primeiro romance,
"O desconhecido do Norte-Expresso seria adaptado pelo mestre Alfred
Hitchcock.
Ripley
é um homem vulgar, que quer sair da América. A oportunidade surge quando o Sr.
Greenleaf, seduzido por uma sua prestação ao piano, enganado por um casaco da
Universidade de Harvard (Ripley é muito bom a imitar, a manipular, a
disfarçar), o convence a ir à Europa e trazer-lhe de volta o filho, que vive em
Itália uma dolce vita, com a mesada que o pai lhe manda todos os meses.
Ripley torna-se amigo de Dickie Greenleaf e da namorada deste, mas numa
discussão violenta acaba por matá-lo e assumir a sua identidade. E a partir
deste momento, o perigo, o inesperado, o medo, mas também uma frieza e um
calculismo extremos perante a morte, passam a fazer parte do quotidiano de
Ripley, que, no entanto, é capaz de se comover e nos comover, ao assistir a um
espectáculo de ópera.
O tema
central da obra é sobre a usurpação da identidade. Os 30 capítulos são de agradável leitura
e leem-se a correr, sempre na expectativa de que o criminoso seja descoberto e
punido, o que não vem a acontecer.
Ripley é um psicopata que conjuga em si o que é caraterístico em vários
criminosos, burla, falsificação de documentos e homicídio.
Sabe mentir, imitar pessoas, é tão talentoso que consegue fazer o crime
perfeito, muito embora com algumas situações pouco verosímeis. No entanto, é preciso
perceber que estávamos nos anos 50 e a investigação de crimes era ainda muito
pouco eficaz.
Nesta obra também nos foi permitido fazer uma viagem desde
os EUA até ao sul de Itália e (Positano, S. Remo, Roma) e a França (Cannes, Paris, etc.)
Aqui deixamos algumas impressões de viagens:
“Chegou a Nápoles ao fim da tarde e só teria camioneta para Mongibello na
manhã seguinte às onze. Um rapazola de mais ou menos 16 anos, de camisa
suja (...), agarrou-se a ele e, apesar dos protestos de Tom, entrou no
táxi com ele e deu instruções precisas ao condutor para onde devia ir... até
que finalmente o táxi parou diante de um grande hotel que dava para a baía. Tom
teria ficado assustado com a imponência do hotel, se não fosse o Sr. Greenleaf
a pagar as contas.
-Santa Lucía! - disse triunfalmente o rapaz apontando para o mar.
(...)
Tom jantou nessa noite
num restaurante sobre a água, chamado Zi'Teresa, que lhe fora recomendado pelo
diretor do hotel.”
“Apanhou a camioneta na manhã seguinte às onze. A estrada seguia a costa e
atravessava pequenas cidades onde parava por momentos - Torre del Greco, Torre
Anunciata, Castelammare, Sorrento. Tom escutava ansioso os nomes das
localidades anunciadas pelo condutor. A partir de Sorrento a estrada era um
estreito caminho cortado na rocha e sobre precipícios, tal como pudera observar
nas fotografias dos Greenleaf. De vez em quando avistava pequenas aldeia à
beira-mar, de casas brancas como pão amassado e pontos que eram de facto as
cabeças das pessoas nadando junto à costa. Tom viu a rocha enorme que bloqueava
a estrada e que devia ter caído da encosta. O condutor anunciou então com uma
voz despreocupada:
-Mongibello!
(...)
Havia casas para cima, subindo a encosta, e para baixo, com os seus
telhados de telha recortando-se contra o azul do mar.
Podem acompanhar a
viagem de Tom clicando no link para ver o mapa: https://www.google.com/maps/place/84017+Positano,+Salerno,+It%C3%A1lia/@40.7189665,14.34671,11z/data=!4m5!3m4!1s0x133b9768a710d21b:0x8cde0b2863cede31!8m2!3d40.6280528!4d14.4849812
Mas escusam de procurar
Mongibello, que não existe. Foi inventada pela autora. Mongibello era no
entanto o antigo nome dado ao vulcão Etna, na Sicília, talvez ela se tenha
inspirado nele. No filme de Anthony Minghella, com o mesmo nome do livro, a
turística aldeia de Positano, na Costa Amalfitana, foi usada para recriar este
porto fictício de Mongibello.
Alguns dias mais tarde partia para Paris de avião (...) Aterrou em Orly às
cinco da tarde (...) Depois foi dar um passeio pela noite um tanto agreste e
nevoenta de Dezembro (...) Comprou o Figaro, sentou-se numa mesa do Flore
e pediu um fine à l'eau, pois Dickie dissera-lhe uma vez que era
a sua bebida habitual em França. (...) Era maravilhoso estar sentado num famoso
café e pensar no amanhã, no amanhã e no amanhã como sendo Dickie Greenleaf.
O "Café de Flore" é um famoso café de Paris, que foi muito
frequentado por escritores e artistas conhecidos, como Jean Paul Sartre, Simone
de Beauvoir, Picasso e Hemingway, entre outros.
"Fine à l'eau" é o nome de uma bebida que já foi muito popular em
França, nas décadas de 1920 a 1960: uma medida de conhaque, alongada com 3
medidas de água. No final dos anos sessenta o seu uso começou a declinar.
Há uma referência a esta bebida no livro "Casino Royale" de Ian
Fleming. Quando conhece o agente francês René Mathis, James Bond manda vir para
ele, no bar, um "fine à l'eau".
E também Hemingway introduz esta bebida num dos seus livros,
"The sun also rises" ("O sol nasce sempre", na tradução
portuguesa), de 1926.
Aconselhamos vivamente a leitura da obra de Highsmith, que é garantidamente de uma grande riqueza
literária, mas não percam também a adaptação cinematográfica.
"Il meglio, il meglio", como dizia o perverso Ripley, no final, quando se viu finalmente "livre e senhor do dinheiro de Dickie".
Boas leituras!