sexta-feira, 31 de maio de 2019

CLUBE DE LEITURA - JUNHO

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.








Livro indicado: "Olhos verdes" de Luísa Costa Gomes



Data: 27 junho, 21h00 às 22h00 



Sinopse: Olhos Verdes trata da aparência e do acaso. Os seus personagens fazem parte do mundo das aparências: trabalham em profissões ou têm inclinações que implicam uma evasão da realidade: Pedro Levi é modelo de roupa interior; Eva Simeão é viciada em TV; o seu ex-marido, Paulo Mateus, deslumbrou-se com a América, que é "outro mundo"; João Baptista Daniel, perseguido por Eva mas não se interessando por esta, é director de marquetingue; Beatriz, sua mulher, é revisora gráfica ("Passa a melhor parte do seu dia a tornar mais pitoresca a realidade"); as irmãs Fonseca, Maria do Céu e Maria das Dores, oscilam entre o esteticismo e o esoterismo; Ísis, amiga de Eva, dedica-se ao disaine; Lourenço é fotógrafo; Anadir é a rainha dos jingles publicitários... Com todos eles, Luísa Costa Gomes pinta um nervoso retrato dos seres da sociedade contemporânea, que se entrecruzam casualmente e se evadem da realidade. Um longo capítulo dedicado a George Berkeley, o filósofo britânico que tentou demonstrar que a realidade material só existe na percepção que temos dela, tenta enquadrar a narrativa numa moldura teórica. Luísa Costa Gomes criou um romance dinâmico, interessante e cheio de humor, que se reflecte em muitas das suas linhas: "Tinha saudades dele a partir do metro e quarenta de distância"... "As pessoas são capazes de suportar tudo, desde que o possam suportar confortavelmente sentadas"... "O Bem vale mais que o Mal porque há de menos. É a lei da oferta e da procura."



Luísa Costa Gomes

Nasceu em 16 de Junho de 1954. É licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa. Foi por vários anos professora do Ensino Secundário e trabalhou ainda no programa Escritores nas Escolas. Traduziu livros, traduziu e legendou filmes, Tem colaborado em vários jornais e revistas, programas de rádio e televisão.
A sua obra literária começou com a publicação, em 1981, do livro "Treze Contos de Sobressalto". Desde aí já lá vai dezena e meia de títulos, entre o conto, o romance, o teatro e a crónica, com variados prémios, e traduções no estrangeiro. Várias das suas peças subiram ao palco. Escreveu o libretto de algumas óperas, entre elas o célebre "Corvo Branco", de Philip Glass, com encenação de Robert Wilson, apresentado por ocasião da Expo 98 (e também em Madrid e em Nova Iorque). Criou a revista de contos FICÇÕES, que dirige e coordena. 


Críticas: 

Olhos Verdes não segue uma estrutura narrativa linear. Centra-se em dois personagens predominantes, Pedro Levi e Eva Simeão, mas não se fica por estes, há toda uma série de outros personagens (uns mais secundários que outros) que vamos conhecendo à medida que se relacionam com Pedro e Eva e uns com os outros. É uma história sobre pessoas e sobre as suas complexidades. Pedro e Eva são personagens muito humanas, neuróticas e desajustadas, sempre em busca de algo inatingível, quer se trate de uma obsessão com um vizinho ou da procura de uma cura. E a obsessão com a imagem é algo que está sempre presente nas acções e pensamentos dos personagens.
Apesar da escrita fragmentada, estava a gostar do livro até chegar ao capítulo V. Até pensei que este teria sido um livro interessante para estudar nas aulas de português do secundário pois, por vezes pareceu-me adivinhar significados escondidos que seria giro analisar. Então qual é o problema? É que o capítulo V é a coisa mais surreal de sempre. Do nada, a autora resolve presentear-nos com a biografia do filósofo George Berkeley. Sim, leram bem, são 42 páginas (num livro com 194) única e exclusivamente com a biografia de uma personagem que nunca havia sido mencionada antes. Bom, mas há um motivo para isso que percebemos no capítulo seguinte, certo? Não, não há. E apesar da explicação dada na sinopse para a existência deste capítulo, a mim não me convence e continuo a achar que o mesmo é totalmente desnecessário. Com certeza haveria uma outra forma menos massuda e até mais eficaz de atingir o mesmo efeito, não?

E o pior é o que o capítulo anterior termina num cliffhanger e passei 42 páginas à espera de finalmente saber o que tinha acontecido... Eis que inicio o último capítulo e deparo-me com a descrição do Assalto ao Aeroporto. Sim, o filme com o Bruce Willis. Ah pois é, depois de uma biografia nada melhor que o argumento de um filme. o_O

Pronto se resolverem ler, não digam que não avisei e preparem-se para uma experiência verdadeiramente esquizofrénica. E estão à vontadinha para saltar o capítulo V, a não ser que apreciem biografias de filósofos do século XVIII. Depois não digam que não avisei... 

(Landslide)

CLUBE DE LEITURA - MAIO



Ontem, dia 30 de maio, pelas 21h00, decorreu na biblioteca municipal, a sessão do Clube de Leitura de Maio para a abordagem, análise e discussão da obra "O pianista de hotel" de Rodrigo Guedes de Carvalho.

O último romance do autor, considerado pela crítica como a sua melhor produção literária, é construído em camadas, com a história de duas personagens principais, que vai sendo contada, alternadamente e dada a conhecer em doses pequenas.

A obra, formalmente, está bem estruturada, bem pensada, muito rigorosa, com linguagem simples, corrente, familiar e por vezes até bastante vulgar, na linha da que é usada pelos novos escritores de romances que têm emergido no panorama literário nacional. Notam-se também algumas semelhanças com o estilo de António Lobo Antunes e José Saramago.
É um romance denso, "opressivo e de uma enorme força", no qual as personagens que vão surgindo são apresentadas de forma muito semelhante a um argumento para cinema e que prende o leitor até ao final. 

Lembra-nos um pouco o filme dos finais dos anos 90, "O sexto sentido" com uma personagem que dizia "I see dead people", porque no final, percebemos que algumas personagens nunca existiram ou já estão mortas.

Curiosamente há uma referência às mochilas Montecampo, que são fabricadas em S. João da Madeira há mais de 40 anos.

A obra foca-se na vida quotidiana, onde paira o amor, a perda, a violência doméstica e sexual, a homossexualidade incompreendida, a morte, a solidão, os demónios que habitam em cada um de nós, encontros e muitos desencontros, mergulhando-nos nas profundezas da alma humana, em permanentes reflexões sobre tudo. A melancolia está presente do princípio ao fim. 

O filósofo espanhol da primeira metade do século passado, Ortega y Gasset, é referido na sua célebre frase que sintetiza sua maneira de compreender e interpretar o mundo. eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo eu”. Com um pouco de reflexão entendemos que ele nos lembra que não somos seres isolados, independentes e autossuficientes. Se eu 'sou eu e minha circunstância', isso quer dizer que somos a soma de nós mesmos, das nossas singularidades, mais as condições - favoráveis ou adversas - do meio e das circunstâncias nas quais estamos mergulhados. Mas no romance muitas das personagens estão completamente sós na vida, porque praticamente não têm suporte familiar, ou sentem-se sós no meio da multidão. 

A música é um fio condutor nesta obra. As referências musicais são uma constante e a vontade do enfermeiro Luís Gustavo de enveredar pelo caminho da música, vivendo até um pouco frustrado e obcecado com sua evolução nesse sentido assemelha-se ao que se passa com o próprio autor que já fez um pouco de tudo, menos aquilo que reprime há muito tempo, que é dar aso à sua veia musical.

Há constantes reflexões sobre a “perseguição” a uma das personagens mais interessantes, Pedro Gouveia, quando afirma que "a mediocridade é o mais perigoso dos caçadores furtivos, e não descansará, nunca, enquanto não eliminar o animal raro que lhe faz sombra, que não a deixa dormir, a mesquinhez baixinha e insegura é eternamente agitada porque o animal raro, simplesmente existe. Todos os outros pecados mortais, combinados, são uma brincadeira comparados com a inveja".

No final, quando tudo se poderia conjugar para a concretização de alguns encontros entre as duas personagens principais e que as poderiam fazer mitigar as suas chagas da alma, percebemos que apenas se cruzam e tudo acaba em desencontro. E, muitas vezes é assim, sem final feliz e sem o pianista de hotel...

Fiquemos pois com o excelente texto final “Depois do fim”, no qual Rodrigo Guedes de Carvalho revela muito sobre si próprio e da sua forma de sobreviver à sensação de perda que todos vamos tendo longo da vida.

“Os meus mortos visitam-me regularmente.
Demorei a dar por eles. Não tenho religião que me valha ou guie, e acreditava que os mortos morrem no momento em que morrem, espere-os uma nuvem, uma labareda, ou só a terra onde se deitam a dormir para nunca mais.
Demorei a exigir que não podia ser só isto. Sou ao contrário: era mais conformado em jovem.
Por vezes, se estou num jantar com muita gente e muito ruído, e fico cansado, desce um silêncio que só eu ouço e uma neblina desfoca as pessoas que falam e riem, e vejo-o, sentado na outra ponta da mesa. Por vezes ergue-me o copo, e eu retribuo. Olhamos um pelo outro.
Também a vejo a ela, sobretudo se fecho os olhos e inspiro, e estou outra vez pequeno na cozinha grande, e ela deixa-me rapar da panela o açúcar amarelo que ficou agarrado depois de fazer os biscoitos.
E também um amigo meu, que nasceu no ano em que nasci, e que partiu cedo sem me dizer adeus, acenou-me um dia destes, estava eu na praia, pé ante pé hesitante, a entrar na água fria, e ele já nas ondas muito brancas lá à frente, mergulhava feliz, e acenou-me da espuma, nunca envelheceu.
O corpo? O corpo chega aos outros sempre antes de nós, é portanto natural que parta antes de nós.
Por isso o meu velho está aqui o comigo. Enquanto escrevo, verifica a sua coleção de selos, pega num, com a pinça, espreita com a lupa pequenina, cataloga, está tranquilo. Claro que não posso dizer que vejo claramente. Está numa penumbra e todo ele é linhas difusas.
Eles têm a idade que quiserem.
Nunca digo a ninguém que estão aqui comigo. Mas estão. Acredito. Eu, homem sem nenhuma outra fé, acredito.
Devo-lhes isso”.





 




quinta-feira, 2 de maio de 2019

CLUBE DE LEITURA - MAIO

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.



Livro indicado: "O pianista de hotel" de Rodrigo Guedes de Carvalho

Data: 30 maio, 21h00 às 22h00 

Sinopse:O Pianista de Hotel transporta-nos numa melodia.

É uma entrada para um mundo regido pela linguagem da música, pela sua força e beleza, presentes no ritmo de cada frase, de cada parágrafo rigorosamente medido.
Livro em camadas, nele se cruzam diversos planos, diversas histórias perpassadas pelo poder redentor da música que entra e rasga, a solidão, a dor e o vazio das pessoas que habitam nestas páginas. Com um vasto subtexto, a densidade das personagens está carregada de mistérios que nos prendem a sucessivas interrogações.

Há um pouco de nós em todas elas.
Há muito de nós neste mergulho ao mais fundo da alma humana.
É um romance que se lê e ouve, que mantém todos os sentidos alerta. Uma pauta musical, com andamentos diversos, que acabam por se cruzar numa vertigem imprevisível de autêntico thriller psicológico.

E, depois, há o pianista… 
 
 

Rodrigo Guedes de Carvalho nasceu em 1963, no Porto.
Recebeu o Prémio Especial do Júri do Festival Internacional FIGRA, em França, com uma Grande Reportagem sobre urgências hospitalares (1997).

Estreou-se na ficção com o romance Daqui a nada (1992) vencedor do Prémio Jovens Talentos da ONU.
Seguiram-se-lhe A Casa Quieta (2005), Mulher em Branco (2006) e Canário (2007).

Elogiado pela crítica, foi considerado uma das vozes mais importantes da nova literatura portuguesa.

É ainda autor dos argumentos cinematográficos de Coisa Ruim (2006) e Entre os Dedos (2009), e da peça de teatro Os pés no arame (estreada em 2002, com nova encenação em 2016).

Regressa ao romance com O Pianista de Hotel (2017).

Críticas:
 
Um livro diferente, como todos o que já li deste autor. As suas personagens transportam-nos para outras "paragens" da mente humana. Muito bom!!! 
.