Ontem, pelas 21h00 decorreu a sessão do Clube de
Leitura para análise e discussão da obra pré-selecionada "A sala magenta"
de Mário de Carvalho.
Este romance possui uma estrutura narrativa muito simples, há um
destaque inteiro para a palavra, para a estética da frase, para a riqueza de
vocabulário, para a capacidade descritiva das personagens e dos lugares, numa
linguagem muito rica, precisa, harmoniosa, quase poética e musical.
Não é uma história empolgante, que nos crie urgência de chegar ao
fim. Mas é um texto que nos convoca à reflexão em cada página, construído a
partir do quotidiano atual ou passado das suas personagens, daí surgirem
recorrentemente analepses, principalmente nos momentos de solidão.
As personagens principais são 3: Gustavo, Marta e Maria Alfreda.
Gustavo é a personagem central e a mais complexa. É à volta dela
que toda a narrativa se desenvolve e Marta e Maria Alfreda quase não existem
nas suas relações com ele.
Gustavo e a irmã Marta são antagónicos em quase tudo e representam
dois estereótipos: Ele o homem egoísta, preguiçoso, boémio, bon vivant,
mulherengo e viciado. Ela a mulher organizada, diligente, maternal, compassiva,
meiga.
Os encontros e desencontros amorosos de Gustavo e Maria Alfreda
atravessam o romance da primeira à última página. Entre muitas amantes de
Gustavo, Maria Alfreda pode chamar-se "a amante", com uma
personalidade misteriosa e instável, ela era provocadora e sensual num momento,
para se tornar altiva, distante, evasiva no momento imediato.
Na relação de ambos ela foi sempre a parte maior, aquela que
determinava a extensão da intimidade, limitando-a muitas vezes à sala magenta,
antecâmara do seu quarto, onde Gustavo nunca chegou a entrar.
"O fruto proibido é o mais apetecido". E, Gustavo foi
acumulando desejo, medo (da pequena pistola), obsessão, ciúme, frustração, numa
relação sempre pendente, mas nunca consolidada.
Assume as suas frustrações, como realizador, como irmão, como
homem. No extremo de decadência, doente, velho, despojado já de quase todos os
seus "modos de vida" e de novo mergulhado no álcool, Gustavo tenta
sumir-se na água, mas nesse momento-limite teve coragem para ir até ao fim.
Lê-se na advertência: "A acção e as figuras deste romance reportam-se a um mundo ficcional de entrada franca, sem chaves ou gazuas. Procurar moldes da vida real para acontecimentos e personagens é ter em má conta a imaginação do autor. Pode ser que ele o mereça, mas não os lesados por equívocos de leitura."
“A advertência com que Mário de Carvalho abre o romance sinaliza a condição paradoxal do próprio romance enquanto
género. Constituindo-se como representação ficcionada de um mundo que é
co-presente ao acto de escrita, o romance tem de reafirmar, a cada
instanciação, e a um mesmo tempo, a sua verosimilhança e a sua ficcionalidade”.
Situado entre o neo-realismo e os
pós-modernismo, num contexto pós 25 de abril, são de destacar o sentido de
liberdade e emancipação feminina, neste romance muito agradável de ler e que
recomendamos vivamente.
Boas leituras!
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