Na passada quinta-feira, dia 25
de julho, pelas 21h00, decorreu a sessão, do mês de julho do Clube de
Leitura, para a análise e discussão da obra "E três maçãs caíram do
céu" de Nariné Abgarian.
Editada pela Presença e com tradução direta do russo por Nina
Guerra e Filipe Guerra, “E três maçãs caíram do céu foi publicado originalmente
em 2015 e venceu o prémio mais importante da Rússia, o Prémio Literário Yasnaya
Poliana, instituído pelo Museu Leo Tolstoi.
Também foi galardoada pela sua obra infantil, que já teve
adaptações cinematográficas, a autora viveu durante alguns anos em Moscovo,
tendo regressado ao seu país natal em 2022, dividindo agora o tempo entre a
Arménia e a Alemanha.
É o primeiro livro da romancista arménia Nariné Abgarian a ser
publicado em Portugal, romance premiado e aclamado pela crítica, ambientado
numa pequena aldeia das montanhas arménias.
Esta obra, que a escritora russa Ludmila Ulitskaya descreveu
como “um bálsamo para a alma”, centra-se numa mulher que se convence de que vai
morrer e deita-se na cama à espera”, uma história que mescla realidade e
fábula, esbatendo os limites entre racional e onírico.
A história passa-se em Maran, uma
pequena aldeia montanhosa arménia, onde os aldeões apanham amoras e fazem
baclava (pastel doce folhado com pasta de nozes), e onde os sonhos, as pragas e
os milagres são produtos da realidade, intocados pelo tempo.
Uma antiga linha telegráfica e um perigoso caminho de montanha
que até as cabras têm dificuldade em seguir são a sua única ligação ao mundo
exterior.
Neste lugar perdido vive Anatólia, tranquila, deitada na sua
cama, à espera da morte, convicta de que só isso pode acontecer.
Antes de se deitar e vestir a roupa fúnebre preparada para o
efeito, incluindo umas meias grossas de malha, porque “toda a vida teve frio
nos pés”, Anatólia dedica-se a alguns preparativos finais, que incluem regar a
horta e alimentar bem as galinhas, pois não sabe quanto tempo os vizinhos
demorarão a dar com o seu corpo inanimado.
Depois de se deitar e folhear o álbum da família, perde-se em
divagações da memória, que a transportam até à infância, dando a conhecer ao
leitor a sua vida longa, em que não concretizou o sonho de ser mãe, viveu um
casamento que em vez de amor lhe trouxe sofrimento, e passou anos a cuidar da
biblioteca da aldeia, o centro da sua pouca felicidade.
Deitada na cama, convencida de que vai morrer, é surpreendida
por um vizinho que entra de surpresa em sua casa, com uma proposta inesperada,
que vai transformar a aldeia de Maran.
Quando foi publicado e, sobretudo, quando começou a ser
traduzido, o romance começou a destacar-se entre a crítica literária, pela
forma cativante como retrata a vida numa aldeia remota da região montanhosa da
Arménia, oferecendo um olhar único sobre a cultura e a ruralidade daquela
região.
Nariné Abgarian, que escreve em russo, foi elogiada pela prosa
simultaneamente autêntica e poética e pela riqueza de caracterização dos
ambientes e personagens, explorando as complexidades da vida humana.
Segundo o jornal The Herald, este é um romance “maravilhoso e
encantador” que “celebra a palavra ‘comunidade’”, ao passo que a Publishers
Weekly destaca as descrições do quotidiano “belissimamente buriladas”.
O jornal The Guardian, que em 2020 nomeou Nariné Abgaryan “uma
das mais brilhantes autoras da Europa”, elogiou o romance pelas personagens
complexas, a atmosfera envolvente, a visão cativante da vida numa aldeia remota
da Arménia, a prosa poética e a autenticidade da narrativa.
Em entrevista a este jornal britânico, Nariné Abgaryan conta que
o seu livro favorito, “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, passado
na aldeia fictícia isolada de Macondo, a deixou assombrada no final, quando
todos os vestígios da existência de Macondo são apagados.
Em “E Três maçãs caíram do céu”, decidiu fazer o oposto: “Queria
escrever uma história que terminasse com uma nota de esperança. A humanidade
está a precisar urgentemente de esperança, de histórias simpáticas”. Por isso,
nesta aldeia, apesar de isolada, onde decorrem tantos acontecimentos trágicos, sobressai
um espírito comunitário e de entreajuda, os habitantes preocupam-se com o bem
estar uns dos outros, que nos comove e sensibiliza para a importância do apoio
que todos nós precisamos ter e dar a quem precisa, não esquecendo o poder e o universo feminino onde normalmente há amor, solidariedade, compaixão e amizade.
“Vivemos uma vida tão acelerada, que mal conseguimos falar uns
com os outros, perguntar como vão as coisas. O que me incomoda é a forma como
os jovens estão a deixar os mais velhos para trás”, afirmou.
Nariné Abgaryan refere que os aldeões do seu romance passam os
dias a “cultivar vinho que ninguém quer ou precisa”, e acrescenta que “a
globalização tem benefícios, mas também efeitos secundários negativos, quando
os costumes de uma região, as coisas que definem as pessoas, são retirados”.
Apesar das desgraças, a ironia está sempre presente. A cena das botas novas, que a mulher não quis calçar ao marido quando este morreu, por achar que era um desperdício e que ele vem reclamar, assombrando-a.
É hilariante também a cena do fermento que Valinka despejou na fossa e transbordou durante a noite, deixando um cheiro horrível em toda a aldeia.
As referências às guerras também, são pouco esclarecedoras sobre o período que decorrem. "Quando a guerra começou, Anatólia tinha 42 anos", (p. 31). "Passaram mais 7 anos, a guerra terminou" (p. 34). "Tigran entrou na Academia Militar e aos 25 anos já tinha alta patente. "Começou a guerra, durante 8 anos não houve notícias dele", (p. 102). "Um ano depois, partiu para o Norte, para não ser apanhado por outra guerra" (p. 103). Pode ser a Primeira Guerra Mundial, pode ser o genocídio Arménio, o extermínio Otomano, entre 1915 e 1923.
Por todos os motivos sugerimos a leitura desta prestigiada obra e deixem "rolar nas suas mãos frescas três maças que depois, tal como rezam as lendas de Maran, deixará cair do céu na terra - uma para quem viu, outra para quem contou e a terceira para quem ouviu e acreditou no bem."