No passado dia 25 de março, pelas 21h00, através do zoom, decorreu a sessão do Clube de Leitura para a abordagem da obra "Na memória dos rouxinóis" de Filipa Martins.
Trata-se do seu quarto romance, publicado em 2018 e que no ano seguinte recebeu o Prémio Literário Manuel de Boaventura, atribuído pelo Município de Esposende. Segundo Telma Cardoso, da ComUM, a Filipa pertence a “uma nova geração de escritores portugueses, que assumem as suas próprias revoluções: a luta pela imaginação, a independência face a correntes e ideologias, a vontade de cosmopolitismo, o direito à diferença da abordagem literária, a experiência da total liberdade e muito mais”.
Um romance extraordinário, feminino (embora sobre homens), em torno de um matemático que encomendou a sua biografia antes de morrer. Jorge Rousinol é um matemático galego, que sempre defendeu o esquecimento como o melhor veículo para a tomada de decisões acertadas. No final da vida encomenda uma biografia sua a uma casa editora. Estranha decisão para quem nunca quis recordar. O biógrafo escolhido acaba por ser alguém com quem privara décadas antes e que se vê, ele próprio, enleado em memórias moribundas.
É um romance em três tempos (o do passado do biografado, o do passado do
biógrafo - e o do presente, que os une), que vê no arrependimento outra forma
de se lidar com as recordações. Biógrafo e biografado conseguirão, em parte, o
que pretendem: não se trata de esquecer, mas sim de escrever uma confissão. Uma
escrita fantástica, inesperada, inovadora - de uma leveza surpreendente.
Diálogos muito bem escritos, sensuais. Incursões pela magia dos números primos.
Filipa aborda a questão da memória e do esquecimento. Defende que a memória é o fio condutor da sua obra, aliada da humanidade, fazendo-nos recordar que "na 2ª Grande Guerra, se registaram 45 milhões de refugiados, mas apesar disso a Europa, "o continente que foi ajudado [nesse período],vira agora costas à ajuda" e tenta ignorar o percurso dos novos perseguidos.
Segundo a própria autora, é um romance disruptivo, pretende romper com os seus livros anteriormente publicados e criar algo singular. Através de uma linguagem rebuscada, escrita sensorial e delicada, deambulam um conjunto de personagens exóticas que exprimem ideias contraditórias e paradoxais, no entanto, com alguma coerência filosófica.
O leitor vai descobrindo, ora pela investigação do biógrafo Nino, ora pela mágoa do sobrinho Camilo, os acontecimentos da vida de um homem que quis suprimir a sua história, com três narrativas que possibilitam inúmeras hipóteses de condenação e redenção, como na vida de qualquer um de nós.
Filipa
Martins intercala e permuta os tempos de uma forma excecional, levando cada um
até ao fim, não terminando a narração de nenhum deles precocemente em relação
aos restantes.
O romance é
cativante por proporcionar a leitura de um tipo de escrita inovadora e
surpreendentemente leve, todavia com uma sensualidade invulgar e despida de
qualquer tipo de pudor. Os diálogos intrigantes e apaixonantes incitam no
leitor o desejo da chegada do próximo momento de conversação das personagens.
Um convite à sua leitura.
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