A sessão do Clube de Leitura de ontem à noite, que decorreu finalmente de forma presencial, teve como alvo para análise e discussão o romance “Caronte à espera” de Cláudia Andrade, considerado um dos melhores de 2020, sendo a autora vencedora do melhor livro de ficção narrativa.
É uma das vozes emergentes do panorama literário português, autora de vários livros de contos, entre os quais “Elogio da infertilidade”, vencedor do Prémio Ferreira de Castro 2017, “Quartos de final e outras histórias”, publicado pela editora Elsinore em 2019, que foi vencedor do Prémio para melhor livro de ficção narrativa SPA 2020. O seu conto “Canção de Ninar” de 2015 já tinha ganho o Concurso Literário incluído no Motel X, em 2015.
A
proposta de leitura desta obra foi aceite como um verdadeiro desafio dada a
complexidade da sua temática e dos caminhos labirínticos a que somos submetidos
ao longo dos oito capítulos, o que é o grande
potencial da sua escrita, segundo os mais entendidos.
Trata-se de uma obra de excelente qualidade, riqueza vocabular, com algumas semelhanças com Agustina Bessa-Luís, no entanto com um estilo muito próprio, plena de ambiguidades e labirintos, enigmática, surrealista, o que obriga com frequência o leitor a pensar, a ter que reler e a meditar.
Em entrevista, Cláudia confessa “O que me move na escrita é a raiva, a ira”. Por isso a narrativa é irónica, mordaz, cruel, poética, aborda a temática da solidão, da liberdade, do poder, a frustração, a velhice, a homossexualidade, a fragilidade do corpo, a memória e a constante pulsão da vida, apesar de nos apresentar um verdadeiro tutorial para o suicídio. A figura de Caronte, da mitologia grega, o barqueiro do submundo que transportava as almas à eternidade é aqui recriado para a atualidade.
Reformado, enfastiado e desapaixonado, Artur decide
finalmente colocar um ponto final na sua vida. Chegou o momento de deixar para
trás o tédio, as dores do corpo e todos os pequenos incómodos que, com o passar
dos anos, ganham proporções desmesuradas.
Mas eis que um rosto numa fotografia de casamento semeia a dúvida no espírito
de Artur, uma sombra que teima em não mais largá-lo: quem é aquele homem,
bonito e confiante, que surge entre família e amigos? Perante as respostas
vagas da sua mulher, não resta a Artur outra hipótese senão adiar o seu plano e
ajustar contas com o passado.
Citando o poeta Dilan Thomas “Não vás tão docilmente nessa noite linda / Que a velhice arda e brade ao término do dia/ Clama, clama contra o apagar da luz que finda”, porque a vida é para ser vivida na sua plenitude.
Mais uma leitura feliz, mais uma viagem pela língua de Camões, que promete quebrar com a monotonia na literatura portuguesa da atualidade.
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