Na passada quinta-feira, dia 25 de janeiro, pelas 21h00, decorreu
a sessão mensal do Clube de Leitura para a análise e discussão da obra
"Niketche: uma história de poligamia" da moçambicana Paulina
Chiziane, que ganhou em 2003 o Prémio José Craveirinha e em 2021 foi-lhe
atribuído o Prémio Camões. Com o seu primeiro livro "Balada de amor e
vento" publicado em 1990, tornou-se a primeira mulher moçambicana a
publicar um romance.
Trata-se de uma obra de
fácil leitura, muito embora contenha um glossário de terminologia africana, com
uma grande fluidez de linguagem, simplicidade e espontaneidade. Os seus
recursos linguísticos estão presentes na narrativa por vezes poética, através
de metáforas e alegorias que aludem ao universo mítico da cultura
moçambicana. Aborda temáticas contemporâneas, como a luta pela liberdade e o
resgate de raízes culturais como a poligamia, o papel da mulher ao longo deste
período e o seu crescente empoderamento, assim como tradições, guerras,
tragédias, disputas políticas desde a colonização, à independência em 1975 e os 17
anos seguintes de uma guerra civil, que só terminou em 1992.
Paulina, que foi ativa na
vida política tendo sido membro da FRELIMO, encaminha-nos para uma reflexão
sobre a condição feminina, os anseios, os desejos, angústias e esperanças de
quem enfrenta o machismo, o patriarcado, produto de uma sociedade conservadora
e que reserva para a mulher um papel de submissão. De forma pedagógica, a
autora, através da personagem principal, aponta uma estratégia para resgatar a
dignidade da mulher, da sua afirmação e capacidade de participação na vida
social em igualdade com os homens.
Os constantes diálogos com o
espelho simbolizam uma tentativa de superação de uma imagem social. Com um
humor carregado de delicadeza, expressa ideias, pensamentos e papéis da
sociedade africana.
Paulina Chiziane é uma
mulher livre. Escreve o que quer e como quer, sem submissão a regras. Escreve
para si mesma num exercício íntimo de reflexão. Escreve para dar voz aos que a
não têm, em especial às mulheres mais frágeis do seu país.
Considera-se uma contadora
de histórias, de tanto que foi ouvindo à volta da fogueira, mas noites
esnluaradas da sua aldeira banta. É dela que saiem as personagens dos seus
romances.
Os temas sociais, a condição
feminina da mulher africana, as relações de poder e submissão dirigidas do
homem para a mulher são os temas inspiradores de "Kiketche: uma história
de poligamia".
História muito atribulada do
casamento de Rami com Tony, chefe de polícia, senhor de respeito, tu cá tu lá
com ministros e outros poderosos. Casamento na igreja, aliança no dedo,
comunhão de bens. Mas... Tony é incorrigivelmente infiel e, desculpando-se com
a tradição, vai colecionando amantes, que usa e abusa a seu belprazer, que
engravida e abandona à medida da sua vaidade, do seu autoritarismo, da sua
capacidade de novas conquistas.
Rami sofre, mas é uma mulher
forte, lúcida, determinada e parte à descoberta das suas rivais. E,
surpreendentemente, o que começa por ser despeito, ciúme e rancor por elas,
transforma-se no tempo em compreensão, solidariedade e respeito.
Afinal, Rami e as suas
quatro rivais são pares e não opositoras, todas vítimas do mesmo opressor, das
mesmas ofensas, da mesma humilhação. Inspiradas por Rami e somando as
diferenças e virtudes de cada uma, constituem-se num corpo único, que
corajosamente enfrenta e derruba Tony, conquistando o direito à felicidade e à
escolha do seu próprio caminho.
Júlia Baptista
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