Na passada quinta-feira, dia 27 de
junho, pelas 21h00, decorreu a sessão, do mês de junho do Clube de
Leitura, para a análise e discussão da obra "Dor fantasma" do
escritor brasileiro Rafael Gallo, vencedor do Prémio Literário José Saramago em
2022.
Em 2015 publicou a obra "Rebentar", vencedora do
Prémio São Paulo de Literatura, em 2012 "Réveillon e outros dias",
vencedora do Prémio Sesc de Literatura, tem também antologias e coletâneas
publicadas em diversos países como França, Estados Unidos, Cuba, Equador e
Moçambique. Tem sido muito bem acolhido, com críticas favoráveis por parte
da nova geração de escritores, sobretudo portugueses, tais como José Luís
Peixoto, João Tordo, Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares e Bruno Vieira Amaral.
A obra está dividida em apenas quatro capítulos. O primeiro,
Coda, que paradoxalmente corresponde à parte final de uma obra literária ou
musical. O segundo, Exposição, o terceiro, Desenvolvimento e quarto, Cadenza.
Assim, estamos sem dúvida, perante uma obra muito
bem estruturada, que revela uma grande experiência narrativa, e, que, segundo a opinião
de Nélida Piñon, o autor é um "herdeiro das portas da imaginação, que
Homero abriu", na qual se destaca uma grande capacidade criativa conseguindo fazer o cruzamento entre a música, a literatura e a frágil condição
humana.
Sendo a música a área de formação de Gallo, é
por aí que somos conduzidos através de sinfonias musicais eruditas
magistralmente executadas por um artista, que passamos a conhecer
profundamente.
É a história de um pianista clássico, o Rómulo Castelo, que é um homem muito obcecado, como o são alguns músicos clássicos: aspiram à perfeição. Ele só tem isso na vida dele — o casamento é um fracasso, ele praticamente não interage nem com a mulher nem com o filho, que tem paralisia cerebral e é o oposto da perfeição. Vai vivendo à espera da sua grande estreia com uma peça de Liszt, conhecida como uma ‘peça intocável’, o “Rondo Fantastique”, mas a dado momento sofre um acidente e fica com a mão direita amputada. E já não pode mais ser o grande pianista que ele sabe ser, nem consegue refazer o sentido da sua vida, entrando uma espiral de derrocada, em busca de retomar o que ele nunca chegou a ser. Porque achava que ia fazer a grande estreia daquela peça, e quando a tocasse o mundo inteiro ia saber quem ele é.
A crise pessoal do Rómulo é um quebrar dessa rigidez, desse olhar que procura o caminho certo e não concebe sair dele. Isto é algo com o qual o autor confessa em entrevista, que teve que lidar na sua vida pessoal e andava à procura de exorcisar. "É curioso porque o lado da música é de facto o mais aparente, mas o que mais me aproxima da personagem são outros traços ainda mais profundos".
Ao longo da leitura da obra, que nos prende desde o princípio até ao final, que está carregada de dor, ironia, desespero, traumas, enclausuramento, em que a personagem se vai tornando grotesca, cruel, somos conduzidos e alertados para uma reflexão contemporânea e até de outros tempos sobre os perigos de uma educação com excesso de rigor, perfeccionismo e egocentrismo doentios, que criam verdadeiros monstros e casos patológicos.
Relembrando a citação no início da obra, define-se muito do seu desenvolvimento posterior:
"Você é o cavaleiro louco que matou o dragão, depois matou a donzela e por fim destroçou também a si mesmo.
Na realidade, você é o dragão."
Amós Oz (1939-2018), escritor e pacifista israelita
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