sexta-feira, 1 de março de 2019

CLUBE DE LEITURA - FEVEREIRO

Ontem, pelas 21 horas, na Biblioteca Municipal, decorreu a sessão do Clube de Leitura de fevereiro, com a análise, abordagem e discussão da obra "Uma cana de pesca para o meu avô" do romancista, pintor,  dramaturgo, encenador, crítico literário e poeta Gao Xingjian, a quem foi atribuído o Prémio Nobel de Literatura em 2000 e foi considerado um dos maiores escritores chineses da atualidade.

Trata-se de um conjunto de 6 pequenos contos, escritos em discurso indireto livre, com muita oralidade, pouca pontuação, o que muitas vezes nos faz ficar sem fôlego.

Alguns contos revelam subtilmente a ideologia política do autor, nascido em 1949, em Ganzhou, opositor ao regime implementado pela Revolução Cultural de Mao-Tsé-Tung. Chegou a estar em campos de reeducação e em 1988, torna-se refugiado político exilando-se em França. Em 1989 apoia abertamente as manifestações de estudantes da Praça de Tian'anmen.

Com talento, subtileza e inteligência, o autor transporta-nos para a China profunda, plena de simplicidade, serenidade e humildade, mas também da muita crueldade que está presente na cultura oriental.
A simplicidade é apenas aparente, porque em toda a obra o autor faz grandes reflexões sobre a vida, os acontecimentos e ainda do que poderia não ter acontecido, como quando piedosamente, após a morte de um homem no tráfego refere "No entanto, se tivesse saído de casa um pouco mais cedo, ou mesmo, depois de ter ido buscar a criança tivesse pedalado um pouco mais depressa ou mais devagar, ou ainda, se no infantário a ama lhe tivesse dito duas palavras, ou se pelo caminho tivesse encontrado alguém conhecido que o tivesse interpelado, não seria confrontado com a catástrofe."

Nestes contos é evidente uma nostalgia pelos seus locais da infância e da sua terra natal, das alegrias simples do amor, dos dramas da rua nas grandes cidades, e, de forma subtil, deixa transparecer que a fome, a indiferença social, a solidão, as injustiças são uma realidade com que o ser humano se confronta.

O amor, amizade, a morte, a saudade e a vida sobressaem destes contos.

No primeiro conto, O Templo, intromete-mo-nos na lua-de-mel de um casal jovem que transmite uma tal serenidade na forma de se amarem e de estarem juntos, não só como casal, mas também como amigos e companheiros que são, que só podemos sorrir durante a sua leitura.

No segundo conto, O Acidente, passamos da vida e do amor para a morte e um outro tipo de amor. Neste conto, um homem é atropelado por um autocarro e morre. No local do acidente junta-se uma multidão perplexa e cheia de opiniões, como só este tipo de desgraças consegue juntar. O fascínio que todos acabamos por sentir, de uma forma ou de outra, por situações como esta é estranhíssimo, inexplicável e, neste caso inconsequente, porque passadas apenas algumas horas após o acidente, já todos seguiram com as suas vidas e no local do acidente já nada nem ninguém recorda a vida que ali se perdeu.

O terceiro conto, A Cãibra, traz o tema do mar, que se repete nos contos que se seguem. Um rapaz nada no mar e sente uma cãibra, aflito para regressar a terra firme deseja que a rapariga que estava a tentar impressionar o tivesse visto entrar no mar e se aperceba da sua situação.

No quarto conto, Num Parque, conhecemos um rapaz e uma rapariga que se reencontram ao fim de alguns anos. No passado gostaram um do outro mas nunca deram o passo que levaria a relação mais além. A vida separa-os e, agora que se voltaram a encontrar, aquilo que sentiam um pelo outro, embora intacto já não faz muito sentido. Ao longe, no mesmo parque, observam uma rapariga que chora. Não a tentam consolar porque de nada servirá, a dor é algo que faz parte da vida e da qual não se consegue fugir.

O conto que dá nome ao livro, Uma Cana de Pesca para o Meu Avô, é o mais extenso e aquele em que a escrita de Gao Xingjian se torna mais apelativa e imaginativa. Um conto com um cheirinho oriental e muito bom de se ler, cujo título resume bem aquilo de que trata. Um homem jovem compra uma cana de pesca para o avô que não vê há muitos anos e de quem sente muita falta. O conto narra a infância deste homem junto do avô que lhe ensinou tanto. Uma história de saudade, de esquecimento e lembrança.

O último conto, intitulado Instantâneos, não é bem um conto, mas sim, como o próprio nome indica, instantâneos. A narração de alguns instantes nas vidas de várias personagens sendo possível perceber um fio condutor que os liga uns aos outros. O mar volta a ser uma referência importante.






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