Com
uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura
destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões
decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos,
proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e
explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais
estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.
O Clube de Leitura reunirá a 28 de janeiro de 2021, pelas 21h00, através do zoom, para a abordagem da obra "Uma Vida à Sua Frente" de Romain Gary.
Sinopse:Uma
vida à sua frente é narrado por Mohammed, um rapaz árabe de 14 anos,
órfão, que vive no bairro pobre de Belleville com Madame Rosa,
prostituta reformada e sobrevivente de Auschwitz. Publicado em 1975, o
livro teve êxito imediato: vendeu milhões de exemplares em todo o mundo,
foi traduzido em mais de vinte línguas e adaptado para o cinema num
filme com Simone Signoret. Nesse mesmo ano, recebeu o Prémio Goncourt.
Quem é Roman Gary? Romain Gary nasceu em 1914 em Vilnius, na Lituânia (então Polónia).
Judeu de origem russa, emigrou com a sua mãe para Nice em 1928. Em 1940
junta-se ao general de Gaulle e às forças livres francesas em Londres e
combate como navegador da esquadrilha «Lorraine» até ao final da
guerra. Ferido, recebe a condecoração suprema dos combatentes
franceses, Compagnon de la Libération e foi um dos poucos sobreviventes dos duzentos homens da esquadrilha. O êxito dos seus primeiros romances, Educação Europeia e As Raízes do Céu
(Prémio Goncourt 1956) tornaram-no imediatamente um escritor famoso em
todo o mundo. Ocupou vários postos diplomáticos na Europa e nos EUA.
Em 1975, escrevendo sob o pseudónimo Émile Ajar, ganhou de novo o
Prémio Goncourt (caso «impossível» na história do prémio) com Uma Vida à Sua Frente.
Gary suicidou-se em 1980, pouco mais de um ano depois do suicídio da
sua ex-mulher Jean Seberg. Deixou escrito um pequeno opúsculo
intitulado Vida e Morte de Émile Ajar, texto extraordinário onde revelou a «mistificação» Ajar.
Análise Graça Serra:
O narrador usa várias vezes esta expressão:
p. 21: "O Dr. Katz ralhou com a Madame Rosa que nem um desalmado e gritou-lhe que eram rumores de Orleães. Os rumores de Orleães é quando os judeus do pronto-a-vestir não drogavam as mulheres brancas para mandá-las para bordeis..."
p. 30: "O Sr. Hamil chega-nos de Argel (...) Possui também um tapete que mostra o seu outro compatriota, Sidi Ouali Dada, que está sempre sentado no seu tapete de orações puxado por peixes. Pode parecer pouco sério, peixes que puxam um tapete pelos céus, mas é a religião que quer isso".
Em 1541, o imperador Carlos V (Carlos I de Espanha) atacou Argel por mar. Segundo a lenda, Sidi Ouali Dada entrou no mar e começou a bater na água com o seu bastão mágico, provocando uma tempestade que destruiu boa parte da frota de Carlos V. Graças a este milagre, tornou-se um herói e um santo. Faleceu em 1554.
p. 36: ""Ainda por cima estava sempre a sorrir para mim e não é verdade que os negros comem crianças no pão, são apenas rumores de Orleães..."
p.42: "Era muito cómico esse medo que a Madame Rosa sentia pela campainha. A melhor altura para isso era de manhã (...) Um de nós levantava-se, saía para o corredor e tocava à campainha. (...) Madame Rosa jorrava da cama e precipitava-se pelas escadas abaixo. (...) Quando ela percebia que não eram os nazis, entrava em fúria e chamava-nos filhos da puta".
p. 52: "Todos os sábados à tarde ela punha o seu vestido azul (...) e ia sentar-se num café francês, a Coupole, em Montparnasse, onde comia um bolo".
"La Coupole" é uma mítica cervejaria situada no bairro Montparnasse, na avenida com o mesmo nome. Foi inaugurada em dezembro de 1927 e teve um rápido sucesso. A decoração art-déco é sumptuosa. Foi adotada por muitos artistas, intelectuais, atores e atrizes. A sala tem 33 pilares simétricos, cobertos por LAP verde, encimados por colunas que foram pintadas por diferentes pintores famosos. Numa delas é possível ver Josephine Baker com umas plumas vermelhas a dançar. Foi inscrita nos Monumentos Históricos em 12 de janeiro de 1988. Em 1993 foi inaugurada, no centro da sala, uma escultura em bronze do escultor Louis Derbré, chamada "La Terre".
p. 75: "À direita estava um carro da polícia com chuis prontinhos (...) Saí para ver, com as mãos nos bolsos e aproximei-me da camioneta da polícia(...) Comecei a assobiar "En passant par la Lorraine" porque não tenho uma cara daqui e já estava um a sorrir para mim".
É uma canção popular francesa para crianças. A melodia e a letra remontam ao séc. XVI (1535) e o seu autor foi Roland de Lassus, embora em 1885 a letra tenha sido modificada por motivos políticos.
p. 90: "Havia um rumor de Orleães que a judia nos matava à fome".
p.
99: "Estávamos na altura em que o rumor de Orleães dizia que os
trabalhadores do Norte de África tinham cólera que traziam de
África...".
p.
125: "Por isso, se ouvires rumores de Orleães para me porem no
hospital, pede aos teus amigos para me darem a injeção certa..."
"La Rumeur d'Orléans" é
um assunto mediático que se desenrola em abril de 1969 em Orléans e
ganha força em toda a França. Segundo o rumor, transmitido de boca em
boca, mulheres jovens são raptadas em cabines de prova de várias lojas
de roupa da cidade, todas administradas por judeus, com o objetivo de as
prostituir no exterior. Apesar de nenhum desaparecimento ter sido
comunicado à polícia, o rumor persiste e só é considerado extinto em fim
de junho. Deu origem a um ensaio que provou que havia uma carga de
anti-semitismo associada.
Momo usa esta expressão para evocar qualquer informação propagada que tenha a ver com preconceitos ou inquietações.
p.113:
"Abri a porta devagarinho e a primeira coisa que vi foi a Madame Rosa,
toda vestida, no meio do quarto, ao lado de uma pequena mala (...) -
Eles vêm buscar-me. Disseram para esperar aqui, vêm com camiões e vão
levar-nos ao Velódromo com o estritamente necessário. - Eles quem? - A
polícia francesa. Deram-nos meia hora e disseram-nos para levarmos só
uma mala. Vão pôr-nos num comboio e transportar-nos até à Alemanha. Já
não terei problemas, teremos cama, mesa e roupa lavada".
Mais conhecida como "La Rafle du Vél' d'Hiv",
foi o maior aprisionamento em massa de judeus realizado em França
durante a Segunda Guerra. Entre 16 e 17 de julho de 1942, 13 152
pessoas, das quais quase um terço eram crianças, foram presas em Paris e
arredores. 8160 foram detidas no Velódromo de Paris durante 4 dias, sem
água nem comida, sob um calor insuportável. O cheiro era nauseabundo,
devido à falta de casas de banho. A 18 de julho começaram as deportações
para a Alemanha e para Auschwitz, na Polónia. Menos de cem
sobreviveram à deportação.
Crítica:
[…] um clássico sobre como misturar o sórdido e o belo na mesma página.
Expresso
Excelente!Liliana Carvalho | 14-10-2020
É
uma espécie de ode à velhice, uma tremenda introspecção da condição
humana, no seu pior e no seu melhor, mas especialmente no seu pior... é
uma narrativa bruta e directa, assertiva e emotiva, escrito de uma forma
como se fosse do ponto de vista de um pré-adolescente, que vê o mundo
de uma forma muito aberta e adulta, mas a sua forma de se expressar é
sóbria, mas algo infantil, absolutamente arrebatador.
Aborda temáticas como a prostituição, racismo, intolerância, religião,
violência, velhice, amor, amizade, desespero, esperança, fraternidade,
tudo numa perspectiva de alguém muito jovem que teve de crescer
depressa, que desde muito cedo levou com a vida logo de frente, sem
filtros nem atenuantes e com um excelente toque de humor, é uma
narrativa inteligente, que nos faz reflectir sobre alguns aspectos
pertinentes da vida.
Excelente!
obrigatório fernanda | 15-11-2019
num
tom leve e bem humorado, o autor dá-nos conta das fragilidades sociais.
trata de temas contemporâneos e prementes, como a eutanásia ou o
conflito entre judeus e árabes.Uma obra de génio. Susana Marques | 22-10-2016
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