Apesar da noite fria, nebulosa e ameaçadora de ontem,
o rei D. Sebastião não surgiu e a sessão do Clube de Leitura decorreu animada.
A obra em discussão e análise foi "O amante"
de Marguerite Duras, romance traduzido para quarenta e três línguas,
Prémio Goncourt, em 1984 e adaptado para o cinema em 1992.
Romance intemporal é o relato autobiográfico de um
mundo perdido, que confirmou a genialidade da escrita de Duras, nome cimeiro da
literatura mundial e um marco na literatura francesa.
Porque "a leitura alimenta-se de outras
leituras", este livro foi selecionado pelo membros do Clube, por ter sido
referido durante a leitura recente de "O princípio de Karenina" de
Afonso Cruz, em que um dos protagonistas vai de Portugal para o Vietnam e
visita a Casa-museu do amante de Duras. Num comentário cheio de humor, o autor refere que "o amante de Duras não sabia que era famoso".
"Hirochima, meu amor" também é uma obra interessante
e mais popular, talvez por ter sido escrita em forma de guião para um filme, com muitos diálogos tornando-se, talvez
por isso, mais fácil de ler.
Duras foi uma mulher independente, lutou pelos
direitos das mulheres toda a sua vida, era uma mulher livre, sedutora e
provocadora. Casou duas vezes, teve muitos amantes e só escreveu "O
amante" quando todas as personagens já tinham morrido.
Duras nasceu em 1914 no atual Vietname - que à época
ainda era uma colónia francesa, a Indochina - , só foi conhecer a França, país
de origem de sua família, em 1932. Engajou-se na Resistência Francesa na
Segunda Guerra Mundial, foi membro do Partido Comunista até 1950 e participou
ativamente do movimento de Maio de 1968. Duras também trabalhou no teatro e no
cinema. No filme Hiroshima meu amor, do cineasta francês Alain Resnais, o
roteiro é de sua autoria. Ela ainda dirigiu cerca de quinze filmes, entre eles
India Song. Seu primeiro sucesso teatral foi Une journée entière dans les
arbres, peça encenada em 1965. Duras morreu em março de 1996, em Paris.
Escritora e
cineasta francesa, a sua obra, habitada por personagens em busca de amor até
aos limites da loucura ou do crime, foi visceralmente marcada pela juventude
passada na Indochina. O romance autobiográfico L'Amant (1984) foi
adaptado ao cinema, realizou Nathalie Granger (1973) e India Song
(1975).
Marguerite não gostou do resultado do filme "O amante"
dirigido por Jean-Jacques Annaud, em 1992 e então resolver escrever outro
romance "L'amant de la Chine du Nord", fazendo uma espécie de catarse,
no qual revela ainda mais pormenores da sua vida e da família desestruturada e
psicótica a que pertencia. Viveu uma infância muito triste, cheia de violência
física e psicológica por parte da mãe e do irmão mais velho a quem apelidava de
"assassino", daí a relacioná-lo com a guerra quando nos conta "Vejo a guerra
com as mesmas cores que a minha infância. Confundo o tempo da guerra com o
reinado do meu irmão mais velho".
Leitura densa, algumas vezes escrita na primeira
pessoa e outras na terceira, mesclando o presente e passado, na qual não
há um ordem cronológica, com analepses e prolepses frequentes. Nos relatos da sua
vida a ordem é mais emocional e não temporal, as emoções são efetivamente o elo
de ligação da narrativa.
O estilo de escrita é poético, límpido, simples, com
descrições de uma beleza e encantamento pelas paisagens de um Vietname ainda no
seu estado puro, quando refere por exemplo, "Olho o rio. A minha mãe
dizia-me às vezes que nunca, em toda a minha vida, voltarei a ver rios tão
belos como aqueles, tão grandes, tão selvagens, o Mékong, e os seus braços que
descem para os oceanos".
As descrições são verdadeiramente cinematográficas e a autora emociona-se com a beleza
paisagística, a fauna e a flora quando descreve: "É portanto durante a
travessia de um braço do Mékong na barcaça que está entre Vinhlong e Sadec, na
grande planície de lama e de arroz do sul de Cochinchina, a das aves."
Os acontecimentos passam-se em Saigão, nos anos 30.
Uma bela jovem francesa conhece o elegante filho de um negociante chinês. Deste
encontro nasce uma paixão. Ela tem quinze anos e é pobre. Ele tem vinte e sete
e é rico. Os amantes, isolados num mundo privado de erotismo e autodescoberta,
desafiam as convenções da sociedade.
Enquanto ela desperta para a possibilidade de traçar o
seu próprio caminho no mundo, para o seu amante não há fuga possível. A
separação é inevitável e tragicamente cadenciada pelos últimos acordes da
presença colonial francesa a Oriente.
A jovem é a própria autora e este é o relato
exacerbado de uma paixão inquieta e dilacerante. De tão etérea, a sua realidade
gravar-lhe-ia no rosto marcas implacáveis de maturidade. Para o mundo, fica uma
obra que contém toda a vida.
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