Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o
Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada.
As reuniões decorrem à volta de um livro previamente
escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem
gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura
ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador
convidado.
O Clube de Leitura reunirá a 28 de outubro, pelas 21h00, para a abordagem da obra "Cartografias de lugares mal
situados", de Ana Margarida de Carvalho.
Sinopse: Os cenários de guerra são, por definição, lugares mal
situados. Neles, as emoções são intensificadas, a generosidade, a compaixão,
mas sobretudo a raiva, o medo, a crueldade e a bruteza.
Nestes contos, Ana Margarida de
Carvalho percorre alguns desses lugares, desde uma povoação de Portugal durante
a Terceira Invasão Francesa, passando por uma biblioteca não nomeada, centro de
operações da resistência, onde os livros servem para tudo menos para ler, até
um lugar incerto onde há mulheres cercadas por snipers, as vozes são proibidas
e o silêncio parece interminável.
Quem é Ana
Margarida Carvalho?
Jornalista e escritora, licenciou-se em Direito, pela
Universidade de Lisboa, onde nasceu. Assinou várias reportagens premiadas,
crónicas, ensaios e crítica cinematográfica e literária. É autora de guiões de
cinema e de uma peça de teatro. O seu romance de estreia, “Que Importa a Fúria
do Mar”, venceu, por unanimidade, o Grande Prémio de Romance e Novela da
Associação Portuguesa de Escritores (APE) referente a 2013. “Não Se Pode Morar
nos Olhos de Um Gato” recebeu igualmente o Grande Prémio de Romance e Novela da
APE (2016). Foi considerado livro do ano pela SPA e venceu o Prémio Literário
Manuel de Boaventura (2017). Tem um livro infantil, “A Arca do É”, em parceria
com o ilustrador Sérgio Marques.
“Pequenos Delírios Domésticos”, o seu primeiro livro de
contos, venceu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco 2017.
O romance “O gesto que fazemos para proteger a cabeça”,
publicado pela Relógio D’Água em 2019, foi finalista do Prémio Oceanos 2020 e
do Prémio de Literatura da União Europeia 2021.
Excertos:
Conto 4 - Montículos de Montgomery
"...haviam de ir os dois desafiar as nuvens negras, escalar as pedras do Barrocal, se chovesse ainda melhor. Não existia local mais mágico para a miudagem do que aquele santuário de granito. Parecia-lhe que Deus andara a jogar pedras, só para ver o que acontecia, mas depois desinteressou-se do resultado".
Em 7 de novembro de 2020 foi inaugurado em Castelo Branco o Parque do Barrocal, de 40 hectares, com passadiços, miradouros e pontes. Um bonito lugar para uma caminhada!
Conto 5 - O Prometido é de Vidro
"Todos os anos pelo Natal, lançaria ao poço uma conta de cristal do seu rosário. E ao povo castanhas do cimo da torre da igreja".
"O Magusto da Velha" é uma tradição que ainda hoje se mantém em Aldeia Viçosa, uma aldeia a 25 km da Guarda. Esta tradição remonta ao século XVII e teve origem numa herança deixada por uma senhora abastada de que se ignora o nome, sendo designada por "A Velha". Com o dinheiro deixado, ordenou que todos os anos a seguir ao dia de Natal fossem lançadas castanhas da Torre da Igreja e distribuído algum vinho pelo povo. A senhora só pediu como pagamento que lhe rezassem um Pai-Nosso por alma. Assim, ainda hoje, no dia 26 de dezembro, por volta das 15h, são lançadas castanhas da Torre da Igreja (cerca de 150 kg).
No momento em que as castanhas são atiradas para o meio da multidão, alguns rapazes protagonizam as denominadas "cavaladas", saltando para cima das costas daqueles que se se baixam para as apanhar.
Conto 9, E se também o Inferno for uma espécie de biblioteca
"...e para ganhar alento foi passear para a beira-rio antes de atravessar a Ponte de Trajano. A aragem do rio Tâmega, a noite límpida aclaravam-lhe os pensamentos, queria acreditar. Reparou nos calhaus que ligavam as duas margens, pontos de travessia pedestre desde tempos remotos, onde às vezes ficavam entalados peixes gordos e os adolescentes gostavam de atravessar de olhos fechados. Há quanto tempo estariam ali as pedras encravadas a resistir a tudo, à passagem do tempo e das correntes. Teve um pensamento mágico. E se atravessasse até o ao outro lado, através das pedras escorregadias?"
Os "calhaus" referidos no texto são uma passagem pedonal de origem romana, sobre o rio Tâmega, a que os flavienses chamam "POLDRAS". Há 90 no total.
Conto 9
"...às vezes ainda lhe dava estas cãibras no coração, uma espécie de fecho-éclair emperrado, que não fechava, não fechava nunca, e lá regressaram eles, os homens de Giacometti, esfumados, numa verticalidade improvável, muito ao longe, pernas tão precárias que mal sustentavam o próprio corpo, os filhos e os andrajos, os homens lá ao longe de pernas errantes... "
"...eram aqueles homens, sabe, senhor doutor, muito verticais, com pernas longas e distorcidas pelas vibrações do calor, que chegavam ao acampamento, não paravam de chegar, noite e dia, e as nossas rações a escassear, as estradas bloqueadas, sem medicamentos, eles a morrerem-nos nos braços, por doença e inanição, uns mortos, outros quase..."
Alberto Giacometti (1901-1966) foi um pintor e escultor expressionista de nacionalidade suiça.
Nos trabalhos realizados depois da Segunda Guerra, onde a figura humana protagoniza as suas pesquisas plásticas, Giacometti acompanha a tendência neo-figurativa que, nestes anos, marca o percurso criativo de vários artistas plásticos. Esta representação do corpo humano marca o período mais original de Giacometti. Depois da guerra (1947), adota um estilo que o tornou famoso, de figuras magras, alongadas e afiladas, esculpindo a maioria das obras dessa fase em miniaturas.
Destacam-se, entre as inúmeras obras executadas durante o final da década de 40 e da década seguinte, as esculturas L'Homme Qui Marche (1949) e La Femme au Chariot (1950).
"À primeira vista, parece que estamos perante mártires sem carne saídos do campo de concentração de Buchenwald. Mas pouco depois temos uma perceção bem diferente: aquelas naturezas finas e delgadas elevam-se para o céu", escreveu o amigo Jean-Paul Sartre, em 1948, no catálogo de uma exposição de Giacometti em Nova Iorque.
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