Ontem, pelas 21 horas, decorreu mais uma participada e animada sessão do Clube de Leitura com o habitual debate do livro do mês.
Tratou-se do romance "A noite não é eterna" de Ana Cristina Silva,
jornalista, docente universitária, doutorada em Psicologia da Educação,
que conta já com muitos prémios e distinções no panorama literário
português.
Talvez pela sua formação académica em Psicologia, a autora foca-se no
lado mais profundo das personagens, nas mais simples manifestações de
carinho que todo o ser humano, no mais fundo de si valoriza "As mãos
da mãe era pequenas, não obstante a sua figura roliça, mas foram aqueles
dedos a afagarem-lhe o cabelo que lhe trouxeram a primeira
tranquilidade em meses".
A contextualização história que nos é apresentada na obra é excelente,
retratando-nos um período ainda muito presente nas nossas mentes, que
foi o princípio do desmoronamento da ditadura comunista da Roménia e o
regime totalitário do casal Ceausescu.
De escrita simples, quase jornalística somos transportados para um mundo
cinzento, denso, em que quase tudo é passado no escuro, no qual não
faltam a polícia política, "os agentes de Securitate", a crueldade dos
orfanatos, as tentativas de apuramento da raça, a crescente perda de
liberdade, o sentimento de impotência perante um poder esmagador e
castrador, com algumas semelhanças com a ditadura salazarista.
Curiosamente, em 1989, Nadia, a personagem principal com um passaporte
falso, faz uma viagem, confessa uma enorme curiosidade por Berlim
Ocidental e conta-nos "Andou a passear sem destino. Mesmo não se
afastando muito da estação, sentia o tráfego, no movimento das lojas,
essa espécie de respiração ofegante de uma cidade do Ocidente. Aquele
lado de Berlim devolvia-lhe a curiosidade. Em toda a parte havia pessoas
bem vestidas, como se a miséria humana não habitasse nos prédios
cuidados. As montras exibiam roupas soltas, esvoaçantes, acessórios
femininos, malas de pele, produtos que brilhavam em coroas de luz.
Naquela zona de Berlim, uma pessoa podia perder-se facilmente na
disposição errática das ruas, as lojas eram imensas e surpreendentes,
uma tabacaria cheia de cachimbos e revistas pornográficas, uma padaria
apinhada de gente ao lado de uma sala de ópera, uma enorme livraria com
todos os livros que se podiam imaginar. Nádia parava em frente das
montras espantada com a abundância e a diversidade. Porém, tudo aquilo
podia ser apenas uma ilusão do tamanho de um gigantesco cartaz
publicitário, como diziam no seu país".
Em Novembro de 1989 acontece a queda do Muro de Berlim e dá-se a unificação das duas Alemanhas.
Mas, apesar da simplicidade do romance, deparámo-nos com esta sábia e verosímil citação
"Todas as vizinhas a evitavam desde que o marido fora preso, mas a do
rés-do-chão, na sua idade avançada, não suportava inimizades."
A maturidade não suporta inimizades.
Boas leituras!
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